quinta-feira, 24 de agosto de 2017

BRASIL COM EMPREENDEDORES DE JORGE CALDEIRA – A REDESCOBERTA DO BRASIL-2

Prof Eduardo Simões

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Gravura de von Spix

__ O melhor e o pior vêm, quase sempre, de onde menos se espera. O sociólogo e politicólogo, e agora historiador de primeira linha, Jorge Caldeira, relatou que do encontro fortuito de um livreto autobiográfico de Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, nasceu-lhe o desejo de escrever um livro sobre o assunto, que acabou se tornando um “best-seller”, ao mesmo tempo em que revelou para o Brasil um de seus melhores historiadores. Como um bom escritor, Caldeira é fácil de ler e como bom historiador é transparente naquilo que deseja informar ao leitor. Leia Caldeira e faça o seu julgamento.
__ Recentemente, entrei no meu sebo preferido, no Rio de Janeiro, pensando em comprar o livro Brasil uma biografia de Schwarcz e Starling, duas brasileiras, acreditem, e quando me dirigi ao vendedor dei de cara com um livro de Jorge Caldeira, que eu não conhecia, Historia do Brasil com empreendedores, ali, junto ao caixa, onde fora pedir informação, esperando para ser catalogado. Pensei, pelo título, que devia ser uma análise do Brasil contemporâneo, que não me interessava naquele momento, mas pelo simples fato de ser de Caldeira imediatamente me aguçou a curiosidade de saber sobre seu conteúdo. Lendo o resumo na contracapa, admirado por não ter ainda ouvido falar desse livro, apesar de todo o meu interesse pelo autor, a quem reputo entre os melhores do Brasil.
__ Imediatamente intuo que estou diante de algo novo, surpreendente, e a leitura do livro me revela que minha intuição, desta vez, não se enganou: sua leitura foi um “choque” para mim; a interpretação feita por ele sobre o que foi a evolução histórica de nosso país põe a historiografia tradicional de ponta cabeça, ou ao avesso, e, o que é pior, ou melhor, dependendo do ponto de vista, é que esse livro vem de outros dois que avançaram muito, senão mais nessa abordagem que, para mim, faz todo sentido. Imediatamente, também, me veio a pergunta: “como é que esse homem não está despontando na mídia ou correndo de uma universidade a outra dando palestras ou aprofundando a sua revolucionária visão de Brasil, superadequada ao momento em que vivemos, e a única que parece fazer algum sentido?”
__ Desgraçadamente Caldeira não tem uma mente esquemática ou maniqueísta o bastante para cair no agrado de boa parte dos “fazedores de opinião” e seus leitores ou ouvintes, em grandes ou pequenos meios de comunicação espalhados por nosso país. Desgraçados de nós, que quase duzentos anos após a independência ainda não nos tornamos uma nação de ávidos leitores e nossa língua comum ainda parece com muro, a dividir cultos de incultos, ricos de pobres. Caldeira não repete slogans, palavras de ordem, nem polariza a realidade; não é assim que se faz história de boa qualidade.
__ Não importa, pois, que muitos brasileiros continuem a seguir os falsos profetas de sempre, à esquerda ou à direita, precisamos dar aos que ainda pensam mais material para leitura e reflexão, para que surjam mais reflexões geniais e atualizadas sobre o Brasil, que sobrepujem a mesmice e a degradação dos costumes, inclusive do costume de pensar, e nos propiciem novos temas e abordagens que faça valer a pena o tempo que gastamos com nela, como a História do Brasil para empreendedores de Jorge Caldeira.
__ Com isso em mente proponho-me a apresentar aos leitores desse blog um resumo, o mais completo possível sobre o que entendi deste livro de Caldeira. Espero ser tão claro como o autor e não trair nada do que ele disse ou pensou ao escrever mais essa obra-prima.

Panorama geral

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__ Logo no primeiro capítulo, na verdade uma introdução, ele nos dá uma vibrante bordoada, pelo menos nos da minha geração, negando com números robustos, aquilo que é correntemente dito nos livros de história para qualificar o período final do século XVIII e início do século XIX, tratado como um tempo de crise econômica geral, sendo os capítulos correspondentes nos manuais de história tradicionalmente etiquetados como “crise do sistema colonial”. Mas uma visão geral sobre a situação econômica das diversas capitanias nos informa justo do contrário (em negrito os trechos de Caldeira, quando houver negrito em itálico são citações de outros autores feitas por Caldeira):
__ No Rio Grande do Sul As vendas de trigo para o Rio de Janeiro estavam crescendo... de 7 mil alqueires, em 1780, para 213 mil, em 1800... A produção [de charque,] saltou de 26 mil arrobas, em 1791, para 213 mil, em 1808... (Rio e Salvador consumiam 80% do total [de gado] embarcado [ou seja, havia um mercado interno dinâmico e próspero]... Em Santa Catarina a indústria girava em torno do beneficiamento do óleo de baleia, exportado para o Rio, em troca de escravos, que passaram a representar um quinto da população de Florianópolis [naquela época Desterro]. No Paraná havia uma grande exportação, quase toda por contrabando, de erva mate para Buenos Aires. A população escrava de Curitiba estava em crescimento, chegando a 16% do total.
__ Em São Paulo, na Feira de Sorocaba, anualmente se negociavam algo em torno de 15 mil mulas a cavalos vindos do sul com tropeiros, gerando uma infinidade de negócios e atividades correlatas. O embarque do açúcar, pelo porto de Santos evoluiu de 114,5 mil arrobas, em 1797, para 194 mil, em 1818... a população escrava de Campinas cresceu 150% nas duas primeiras décadas do século XIX. O açúcar também vai movimentar a economia do Vale do Paraíba, e como sinal dessa prosperidade o contingente de cativos na população de Guaratinguetá saltou de 11,9%, em 1775, para 37%, em 1801.
__ Em Goiás, o elevado percentual de cativos no seio da população 42%, mesmo com a decadência do ciclo do ouro, aponta para uma sociedade próspera e para uma economia voltada a um mercado interno, baseada principalmente na pecuária.
__ No Maranhão, o valor das exportações de algodão... passara de 335 contos [de réis], em 1780, para 3,3 mil contos, no ano de 1800... o registro oficial [das exportações de algodão] era de um grande superavit na balança comercial entre a região e a metrópole [onde fica a “espoliação” da colônia pela metrópole?]... o Maranhão era a região brasileira com maior concentração de escravos...133 mil, em 1819, correspondentes a 66% da população. No Ceará as vilas de Aracati e Camocim concentravam o comércio de gado e indústria de carne bovina abatendo em torno de 50 mil reses anuais para processamento. O algodão do Ceará era enviado a Pernambuco e trocado por escravos, gerando o grande crescimento de Fortaleza, e da população escrava do Ceará, que passou a ser 27,9% da população da capitania. O progresso foi tanto que Portugal resolveu separar o Ceará de Pernambuco, em 1796.
__ Entretanto havia exceções à regra geral, como foi o caso da capitania do Rio Grande do Norte, que englobava a Paraíba. Em 1799, ela foi separada administrativamente de Pernambuco. O objetivo central era desviar os fluxos de comércio para a metrópole, permitindo que os ganhos nas trocas ficassem com os comerciantes lisboetas [meros parasitas do estado português]. Os diligentes esforços... resultaram apenas na diminuição do fluxo de comércio. Essas amputações de Pernambuco, segundo Caldeira, visavam enfraquecer o elán econômico de Pernambuco, que apresentava índices de superavit apreciáveis em seu comércio com a metrópole; mas no geral Pernambuco se aguentou bem, graças ao intenso comércio que articulava com outras regiões do semiárido nordestino, voltado para o mercado interno.
__ Citando Amílcar Martins Filho e Roberto Martins, Caldeira descreve assim a situação de Minas Gerais nesse período: “A condição essencial para a existência da escravidão [em Minas] não foi a plantation escravista, mas a existência de terras livres. Não havia suprimento voluntário de trabalho assalariado... porque a fronteira agrícola era imensa e estava sempre aberta... sempre faltaram trabalhadores assalariados. Os camponeses livres até aceitavam trabalhos ocasionais... mas era muito difícil convencê-los a trabalhar para outros de modo permanente [por que fazer isso se eles podiam ter sua terra?]”. A prova que nem mesmo após a decadência do ouro Minas Gerais não perdeu sua vitalidade econômica é que embora o percentual da população escrava, em relação ao resto da população, tenha caído entre 1786 e 1823, em números absolutos sua população cresceu de 174 mil para 189 mil. A população livre, em contrapartida, mais que dobrou nesse período.
__ O motor da Capitania do Rio de Janeiro era o açúcar. O número total de engenhos passou de 34, em 1767, para 328, em 1799. Os dados que possuímos a respeito desse mercado interno, que não são tantos nem de tão fácil acesso como gostaríamos, mas é o suficiente para dar um retrato inequívoco da extraordinária pujança econômica do Brasil, ao final do século XVIII.
__ E qual o papel das exportações, que tanta atenção atrai dos estudiosos sobre a nossa história, principalmente aquele que são adeptos do viés latifundiário para explicar as mazelas de nossa formação? O principal produto da pauta, o açúcar... Estagnadas no início... as exportações conheceram forte flutuações ao longo dos dez anos posteriores a 1795 – sem tendência clara de alta. E isso acontece num momento em que a produção do Sudeste mantinha um padrão firme de crescimento. Ou seja, estava gerando excedentes! O que só pode ser explicado pelo aumento das vendas no mercado interno ou em operações exportações ilegais, como, por exemplo, o contrabando para a região platina.
__ O plantio de algodão floresce antes de o produto ganhar relevância na pauta – sem que existissem investimentos metropolitanos
__ Essa riqueza imensa não era produzida apenas ou majoritariamente por escravos, antes por homens livres: Segundo as estatísticas oficiais brasileiras disponíveis, em 1819 a população... total seria de 4,39 milhões de pessoas (se considerados os índios livres como cidadãos)... A composição dessa população seria a seguinte: 56% de colonos livres; 18,2% de índios livres (portanto 74,8% de pessoas livres); 25,2% de escravos. Ainda que desprezados os índios como moradores do Brasil... as proporções seriam de 69,1% de pessoas livres e 30,9% de escravos. E mais: a média de escravos por proprietário, na virada do século, era de cinco cativos (!), o número de proprietários de escravos pode ser estimado em 220 mil – ou 9% do contingente de homens livres... 91% do total [dos homens livres] não era proprietários de escravos. A grande maioria da riqueza produzida no Brasil pelos brasileiros se encontrava no mercado interno e foi gerada por trabalho livre e a escravidão não foi tão disseminada como se supunha.
__ Entretanto, a maior fonte de capitais, o nosso sistema bancário da época, não estava, como seria de se esperar, pelas explicações tradicionais, nas mãos de comerciantes lusos, mas antes na de ricos traficantes de escravos brasileiros, concentrados nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro. Sua fortuna era impressionante: apenas o valor do inventário de João Gomes Barroso, feito em 1809, equivalia a 24% das exportações de todo o Brasil naquele ano [uns 50 bilhões de dólares hoje].
__ A força impressionante do Brasil, frente à sua metrópole, se mostra nos seguintes dados: entre 1796 e 1807... as exportações brasileiras corresponderam a 83,7% das exportações das colônias portuguesas, e a venda dessas exportações para outros países gerou 56,6% de todas as receitas do Império... o Brasil consumia 78,4% de todos os produtos enviados da metrópole para as suas colônias, e 59,1% do total de produtos importados pelo Reino. Inclusive em capítulo de seu livro Caldeira ressalta que por volta do ano 1800, o Brasil era, tanto em termos de população como de pujança econômica, tão forte como os Estados Unidos de então, que, não esqueçamos, enfrentara numa guerra recente a maior potência da época, quase de igual para igual! Logo estávamos também neste nível!
__ Essa situação, segundo Caldeira, só teria duas interpretações possíveis: a primeira seria o reconhecimento de que para além do sistema colonial “tradicional”, circunscrito pelo “Pacto Colonial”, com todos os seus caracteres tão bem conhecidos: latifúndio, escravidão, monopólio comercial lusitano, dependência do mercado externo, etc., havia outro muito ativo e dinâmico formado por um vasto mercado interno, tocado principalmente por produtores livres, com grande espírito empreendedor, avesso aos controles metropolitanos, capaz de gerar uma riqueza tremenda, mas mal aquilatada e ainda oculta a muitos pesquisadores. A outra é continuar a insistir na tese da predominância do latifúndio, da camisa de força do “Pacto Colonial” – atente o leitor que Caldeira em nenhum momento usa o termo “Pacto Colonial” – e simplesmente negar os dados da realidade, mostrados acima, deixando um “buraco” na hipótese e um monte de perguntas fundamentais sem respostas, omo aquelas que apresentei no artigo precedente.
__ Caldeira sabe que a sua missão, rever a tese do “exclusivo” ou do “pacto” latifundiário-agrário-exportador, não será fácil, pois, para além da questão histórico-científica, há o problema ideológico. “Grande parte dos estudiosos que empregam o modelo do latifúndio agrário-exportador entende que o sucesso desse modelo é o resultado da aplicação do marxismo como metodologia”. E é justamente esse o grande mérito do livro, combater uma crença infundada de alguns marxistas usando, além de muitos dados de realidade, categorias de análise marxistas!

Em busca de uma fonte misteriosa

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/d/d7/Oliveira_Viana.jpg
Por Fonte, Conteúdo restrito, https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=2941396

__ Como apareceu e se tornou tão onipresente na leitura da evolução histórica do Brasil a tese do latifúndio-escravista-exportador, como coluna vertebral da nossa formação, a panaceia que explica praticamente todas as nossas mazelas e responde a pergunta mais inquietante nas mentes brasílicas: como pode um país com tantos recursos, com tanto potencial, não deslanchar na via do progresso, como  um eterno condenado a nadar, nadar, e morrer na praia, que nem Sísifo e o seu pedregulho? O latifúndio explica tudo, segundo tese tradicional, e, de uma maneira geral, atribui-se o pioneirismo do uso desse conceito a Caio Prado Junior, que o teria apresentado pela primeira vez em seu livro Evolução política do Brasil, de 1933. A forma como Caio Prado chegou a essa conclusão merece um estudo, e Caldeira o faz com maestria.
__ A primeira coisa a notar é que por esse livro, e pelos seguintes, que são um desdobramento da tese pioneira de Evolução política, Caio Prado, é saudado por notórios e notáveis pensadores da esquerda brasileira como um pioneiro em vários sentidos, embora eles, por vezes, tenham dificuldade, em virtude de inconsistências no texto, em definir a matriz do pensamento do autor. Caldeira cita os historiadores Paulo Henrique Martinez, Paulo Teixeira Iumatti, Carlos Guilherme Mota, o filósofo Leandro Konder, os sociólogos Florestan Fernandes, Bernardo Ricúpero (que compara a obra de Prado a uma análise semelhante, feita por Lênin, em relação ao capitalismo na Rússia) e Otavio Ianni, cujos elogios merecem destaque: “Caio Prado Jr. Entra na história... como autor de uma interpretação original e influente. Inaugura uma interpretação marxista da formação social brasileira, estabelecendo um horizonte intelectual novo, sem o qual não foi mais possível pensar a história do Brasil... legou-nos a tradição da história social marxista...
__ Entre os admiradores de Caio Prado, dos citados por Caldeira, o que mais perto chegou de desconfiar que havia algo errado foi o filósofo marxista Carlos Nelson Coutinho: “O estoque de categorias marxistas de que se vale Caio Prado não é muito rico... [suas falhas derivam] da prioridade metodológica que ele... atribui à esfera da circulação em detrimento da esfera de produção. Isso faz com que ele utilize de modo pouco rigoroso a noção de burguesia” Mas a autoridade dos escritos de Prado, sabe-se lá por que razão, já que está a se  tratar de uma discussão pretensamente “científica”, é tamanha que logo após essas críticas Coutinho reconstrói, ainda mais imponente, o que antes demolira: “Seria uma pretensão mesquinha e ridícula submeter Caio Prado a um exame de marxismo [por quê? Não é isso que se faz em um debate científico, na discussão de hipóteses, que não sejam consideradas como “revelação?] os limites de sua produção... mas para sublinhar a sua criatividade... Pode-se mesmo dizer que... Caio Prado contribuiu para o próprio enriquecimento marxista de “vias não clássicas” para o capitalismo”. Noutras palavras, a carência em Caio Prado, para Coutinho, é mérito e sinal de “criatividade”, já imaginaram se todos os outros autores, independente de filiação ideológica, fossem tratados assim?
__ O impacto de Caio Prado Jr e de sua historiografia na Academia foi tão grande que a historiadora Maria Yedda Linhares, de esquerda, disse numa entrevista: “Caio Prado transformou-se numa espécie de Bíblia da historiografia; quem não repetia o que ele dizia estava cometendo uma espécie de heresia, uma traição”.
__ Levantado todo esse aparato de elogios incondicionais dos mais abalizados guias do chamado pensamento marxista brasileiro, tendo estabelecido claramente a relevância de Caio Prado Jr no pensamento nacional, urge agora se dirigir à primeira questão central do livro: que leitura, que autores, serviram de embasamento à tese mais que vitoriosa de Caio Prado, exposta em Evolução política do Brasil, e que até hoje serve de baliza para a nossa historiografia? Caldeira, assim como Coutinho, percebeu claramente as limitações do texto, mas ao invés de se submeter a priori aos ditame de uma igreja que não lhe dizia respeito, foi mais a fundo para pesquisar onde Caio Prado absorvera ensinamentos para escrever o seu livro, em 1933.
__ Filho de uma das mais tradicionais e ricas famílias paulistanas, é óbvio que Caio Prado não foi educado de berço na doutrina marxista, também não há nenhum registro de que ele fosse leitor de Marx até sua entrada no Partido Comunista, mais ou menos na metade de 1932, segundo Caldeira – até esse momento Prado era um militante liberal do Partido Democrático, desiludido com os rumos do movimento de 1930. Pesquisando os papeis pessoais de Caio Prado, Caldeira não encontrou qualquer referência a uma leitura minimamente substanciosa de algum autor marxista, até a data da edição do livro. Até ali ele tivera que se contentar com toscas resenhas, dessas que aparecem em conclamações ou artigos de jornais, escritas por algum militante tão apaixonado quanto desconhecedor da teoria, em virtude da minuciosa censura que havia no país em relação a esse material. Caio Prado, por ser financeiramente mais estribado, teria mandado vir algum material sobre marxismo da França, mas não há indício, de que até ali tenha lido qualquer obra relevante sobre o tema, ante da primeira edição de sue livro. De onde lhe veio, pois, essa autoridade em marxismo, tão alardeada por tantos e apaixonados admiradores?
__ Caldeira mergulha então na história da família Prado, cujas raízes se estendem até o século XVIII, e revela a imensa participação desta família na vida cultural brasileira, e até estrangeira, em especial a francesa, no final do século XIX e início do século XX.  Um dos tios de Caio, Paulo Prado, grande comerciante e financista, e um apaixonado pela história, autor de uma análise clássica sobre o caráter do brasileiro: Retrato do Brasil – ensaio sobre a tristeza brasileira, recebia regularmente, em sua casa, a visita de historiadores dos mais consagrados na sua época, como Capistrano de Abreu e Oliveira Viana.

__ E aí começa a ser desvendada a fonte misteriosa do conceito-chave “latifúndio agrário-exportador” de Caio Prado Jr., que mudou a leitura da história do Brasil. 

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A ESCOLA QUE QUEREMOS NÃO É A ESCOLA QUE EU, E AS CRIANÇAS, QUEREMOS

Prof Eduardo Simões

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Adultos conservadores, autoritários e reacionários, de esquerda e de direita, desconfiam e temem a espontaneidade, a criatividade, o dinamismo e a sinceridade dos jovens.

__ Os conservadores e reacionários, por vezes fantasiados de “revolucionários”, encrustados em todas as organizações possíveis, costumam lançar manifestos e movimentos na área da educação que revelam logo de saída, aos que conhecem a luta e o cotidiano das escolas e buscam a essência do processo educacional, a sua verdadeira natureza, que é pura reação!
__ Li, no facebook, a notícia de um movimento chamado A escola que queremos, supostamente associado ao nome do educador Moacir Gadotti e ao Instituto Paulo Freire. O nome o movimento, sem falar de seu suposto patrono, já dizem tudo: é mais um movimento para deixar tudo como está na escola atual; muda-se o layout, mudam-se os nomes, algo muito importante nessa terra de apadrinhados, e o resto continua o mesmo; afinal, quem quer essa escola? Os adultos! Estes, por acaso, de esquerda, contrapondo-se, ao Escola sem partido, e congêneres, da direita. São, portanto, adultos, lutando por conceitos e ideias de adultos, algumas até bastante ultrapassadas, de uma maneira adulta, ignorando grosseiramente o principal interessado ou vítima dessa e de todas as escolas: crianças e jovens.
__ Isso tanto é verdade que durante o episódio do impedimento, por excesso de incompetência e ladroagem do governo Dilma Rousseff, e a quadrilha que a cercava, as organizações de professores, o sindicato ligado ao partido da presidenta, fez campanhas apaixonadas pelo retorno da dita cuja, enquanto professores e alunos amargavam, de a tempos, mudanças catastróficas no sistema educacional, principalmente em São Paulo, sem que haja tanto protesto e mobilização, como se a sorte dos associados interessasse menos que a da senhora presidenta. O sindicato fica parecendo uma mera correia de transmissão do Partido dos Trabalhadores e de seus aliados, como o ex-governador Sergio Cabral e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, etc.
__ Para mim é só mais uma tentativa de resgatar o mundo dos anos 1960, retomar o modelo totalitário e falido de sociedades do século XX e parar a história; a síndrome de Fukuyama. Adultos tentam impor às novas gerações, para sempre, o seu modelo de sociedade, e por isso a sua proposta de escola vem sempre cercada de adjetivos, adjetivos: “cidadã”, aqui, “popular”, acolá, cujo significado foi criado por adultos que, na maioria das vezes, não exploraram ao máximo das possibilidades de sua juventude, talvez até por culpa da escola de seu tempo; mas que não lhes dá motivo para obrigar os jovens a viver a mesma trágica experiência. As crianças e os jovens têm o direito de pensar e criar um mundo diferente do nosso; por isso a escola nunca pode ser a que nós, adultos, de esquerda ou de direita, queremos, mas sim a que eles, crianças e jovens, querem, de acordo com seu nível de desenvolvimento, respeitado da forma mais estrita.

__ A única escola que eu quero é aquela que crianças e jovens precisam, e merecem. Que tal olharmos para estes um pouquinho?   
A ESCOLA DESUMANA DE SÃO PAULO

Prof Eduardo Simões


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__ Quando notei essa aluna pela primeira vez em sala de aula, chamou-me a atenção o seu ar acentuadamente infantil para uma aluna de 6º ano, com seus dez para onze anos, reforçado pelas inúmeras vezes em que a surpreendi falando e brincando com seus objetos de estudo: lápis, caneta, borracha, apontador, etc. como se fossem seres animados, assim como fazem as crianças de 3 a 5 anos, dando vida a coisas inanimadas – o grande Piaget chamava isso de simbolismo, próprio de uma causalidade ainda “animista”.
__ Sua defasagem chamou-me a atenção e dirigi-me à coordenadora e diretora para saber se havia algo, fora o habitual de minha profissão e do currículo oficial de nossa escola (pública), que pudesse ser de ajuda a essa “criança”. Para “variar” o sistema nada tinha a dizer ou a fazer, e de quebra ainda fiquei sabendo que essa aluna tinha um histórico de problemas familiares digno de um filme de terror. Sai da sala da diretora com uma única certeza: nada podia ser feito pela menina, ninguém viria nos ajudar, nem a escola mudaria sua conduta, ditatorialmente ou escravocratamente imposta pela Secretaria de Educação, com objetivo principal de melhorar a performance dos alunos em testes de proficiência nacionais ou internacionais, medida em estúpidas provas de múltipla escolha.
__ Aos poucos, vi aluna mudando: ficou introspectiva, amuada, depois vieram algumas manifestações de revolta difusa, e por fim o seu silêncio, aquele silêncio que grita aos ouvidos daqueles que ainda não abriram mão de sua humanidade. Quantas vezes eu não vi essa mudança em meus alunos? Aquela criança buliçosa, vivaz, com os olhos a brilhar como um par de sóis, de repente começa a mudar, e o seu olhar vai se apagando, até ficar fosco, opaco, espelhando a sua escuridão existencial. A criança travessa se transforma ou num jovem agressivo, com um olhar cínico, como a dizer: “todos os adultos são maus e/ou hipócritas!”, ou então mostram um desânimo, um desencanto invencível, como a dizer: “não adianta lutar!” Aos professores e professoras que adoram dizer: “Como era bom, quando eles eram pequenininhos (como quem diz: “quando davam menos trabalho)!” Eu pergunto: “Será que o que você fez, no tempo que teve com ele, não contribuiu para ele ser o que é hoje?”
__ Vi a criança em questão, ainda ontem, 19 de agosto, num evento em minha escola; ela estava sentada numa mesa do pátio-refeitório, isolada, digitando a tela do seu tablet, certamente para grande alegria dos burocratas da educação que só têm olhos para a tecnologia, e eles decerto também exultariam, eufóricos, ao verem o que eu vi com um imenso pesar: vários alunos, uma meia dúzia pelo menos, encostados em uma parede, um ao lado do outro, silenciosos, a dedilhar compulsivamente o seu celular, indiferentes a tudo que acontecia ao redor, naquilo que deveria ser uma festa de nosso folclore. E a socialização? Para os burocratas da educação paulista, parece que gente é apenas máquina que fala; máquina não precisa de socialização! Para provar o quanto a socialização deles é perigosamente precária, assim que se viram constrangidos a largar dos celulares começaram a espalhar a desordem pelo pátio, obrigando, por várias vezes, a nossa firme intervenção.
__ É verdade que a escola não pode resolver todos os problemas familiares que se manifestam nos alunos, mas também é verdade que a escola é uma comunidade, uma microssociedade, com um elemento privilegiado: o número avultado de crianças e jovens de todas as idades num espaço exíguo, e nesse ambiente a socialização não é só um dever, é até, pelo contexto da escola, uma obrigação desta! Por que não a realiza? Porque o avantajado nível de socialização, e consequente afetividade, de uma criança, que a tornará um ser humano viável, não pode ser medido por exames de provas de múltipla escolha, e, por conseguinte, não pode ser chacoalhado diante das câmeras durante uma campanha eleitoral. Índices pessoais de felicidade ou de sucesso não elegem ninguém... Mas, pensando bem, já que ninguém mais trombeteia índices de desempenho escolar, e ninguém parece dar falta disso, uma vez que nessa esfera só temos colhido fracassos, porque não aproveitar, agora que ninguém está reparando, e fazer a coisa certa?
__ Aqueles termos que uma pessoa comum costuma dirigir a outras pessoas como: amigo (a), companheiro (a), confidente, pai, mãe, esposo (a), amante, etc., essa menina agora deve dirigir ao seu tablet, seu companheiro de todas as horas de sua selva de silêncio, solidão e incompreensão; mas, o que ela fará no dia em que descobrir que essa máquina é insuficiente para atender às demandas cada vez mais complexas de seu desenvolvimento emocional? Enquanto isso, diante da indiferença geral de adultos, pais, professores, burocratas, políticos, sindicatos, preocupados apenas em preservar ou expandir a sua zona de conforto pessoal ou coletiva, expresso nas palavras de uma supervisora de ensino local: “O emocional não nos interessa”, iremos colhendo os fracassos de rotina, tanto na educação como na política do país.

__ O crime organizado e as cracolândias agradecem. A morte e a loucura também.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

NOSSO PRÓXIMO PASSO EVOLUTIVO

Prof Eduardo Simões

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Brasileiros prontos para as eleições presidenciais

__ Nunca fiz segredo de meu repúdio incondicional ao ambiente de corrupção generalizada em que foram transformadas as mais elevadas instâncias decisórias do Brasil, tanto em nível político como administrativo, quando da estadia do PT na Presidência da República, ao mesmo tempo em que via com apreensão as mais desabridas manifestações de grosseria e falta de educação, para dizer o mínimo, entre os envolvidos nessa mixórdia, tanto aqueles que dela se locupletaram como de suas vítimas habituais.
__ Ali os torcedores, durante a abertura da Copa do Mundo, entoam o miserável coro de “Ei, Dilma, vá tomar no c...!” Acolá um politiquinho, inconformado com o discurso do troglodita de plantão, desfere-lhe uma cusparada no rosto; no mesmo diapasão o renomado e já provecto ator José de Abreu, cospe num casal que lhe hostilizou gratuitamente, em virtude de suas, para lá de conhecidas, posições de esquerda. Durante o impedimento, ninguém conseguia mais dar uma entrevista em paz, dentro do Congresso Nacional, sem que se juntasse uma chusma de esquerdistas a gritar “golpista!” ali a jornalista Miriam Leitão, uma das vozes mais sérias de nossa imprensa, é selvagemente e impunemente hostilizada num voo de avião só porque trabalha na empresa a que alguns fanáticos e ignorantes, sem falar dos oportunistas de sempre, taxam como a causadora das desgraças do Brasil. Acolá o ex-presidente Lula, no saguão de um aeroporto, é ofendido por desocupados a dizer: “Lula ladrão, seu lugar e na prisão” etc. etc. etc. Por último, até agora, uma malta de vagabundos faz chover ovos sobre dois dos mais bem votados prefeitos de capital do Brasil, num desrespeito não só às suas pessoas como aos cargos que eles ocupam, assim como os seus eleitores, que a essa hora devem estar planejando o “troco”. Essa é a face da esquerda brasileira que vive lamentando a miséria e a fome do povo, enquanto usa de uma oportunidade dessas para conspurcar a nossa imagem e estragar comida!
__ Até quando vamos nisso? Até alguém perder as estribeiras de vez e haver uma tragédia? Talvez então nossas ilustres autoridades se movam no sentido de dar um cobro nisso, inclusive facilitando as ações judiciais por danos morais, pois, com certeza, essa gente não pensa com os miolos... talvez pensem com o bolso. E assim, de agressão em agressão nos aproximamos do momento máximo de polarização em qualquer sistema democrático; as eleições gerais para o cobiçado cargo de Presidente da República. Que irá acontecer se essa bola não baixar e começar a disputa para o pleito em meio a tamanho enfrentamento e falta de educação.
__ Creio que é prudente e salutar chamar os principais interessados nessas eleições e convidá-los a amansar os seus colaboradores, sob a batuta firme do Poder Judiciário, já que do Executivo e do Legislativo não se pode esperar muito, e acalmar os ânimos, antes que sejamos forçados a suspender as eleições por falta de clima psicológico, antes que se repitam velhas aventuras ou as coisas saiam de controle, para algo tão novo quanto devastador.

__ Quando é que você, afinal, vai mudar, Brasil?       
À MARGEM DA LEI

Prof Eduardo Simões

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http://g1.globo.com

__ Há poucos dias, um jornal da TV mostrou um vídeo onde um policial da ROCAM, de São Paulo, aparecia executando um marginal, desarmado e rendido, com seis tiros, á luz do dia, em plena via pública, e chamou a atenção para o enorme número de pessoas que vibraram com a execução na página dessa emissora na Internet.
__ Parece-me que as pessoas estão se comportando nesses episódios como se aquilo que acontecesse à sua frente fosse como uma partida de futebol ou um game do celular, envolvendo dois times: o dos policiais e o dos bandidos, cabendo, portanto, uma torcida para ver quem mata mais, ou a vibração do desenlace, como se fosse um gol, como se o placar e a vitória fossem garantidos pelo número maior de vítimas fatais no lado oposto.
__ O que todos ignoram, ou querem ignorar nesse momento, é que as leis que regem as relações ainda humanas no Brasil, proíbem que isso seja feito, tanto do lado do bandido como do lado do policial, portanto a ação do policial deve ser condenada porque é ILEGAL, inválida e passível de punição, tanto quanto alguém que faz um gol de mão, desculpem-me a analogia, a não ser que antes mudemos a lei autorizando esse tipo de execução. Mas será vantagem criar uma lei que permita qualquer um, ou apenas um policial, a matar a quem lhe oponha resistência?
__ E quando essa violência se voltar contra pessoas inocentes? Gente de nossa própria família? Não são tantos, muito mais do que gostaríamos, os casos de policiais envolvidos com o tráfico e todo tipo de criminalidade? Que será de nós quando eles forem autorizados, a pedido da população, a executar criminosos no meio da rua? De uma coisa eu tenho certeza: só vão abater os “ladrões de galinha” ou os de menor periculosidade, como o mostrado na foto acima, um ladrãozinho de automóveis.
__ Não é nossa grande luta nesse momento por os grandes ladrões desse país, e que estão no poder, na cadeia, como para a cadeia vão os ladrões de galinhas? Não é um escândalo que alguns peçam furiosamente a prisão deste ou daquele líder político, porque desviou dinheiro público e ao mesmo tempo aplaudam uma execução pública? Ou a lei é para valer, e deve ser aplicada a todos, indistintamente, ou teremos que admitir, em lei, que uns valem mais ou menos que os outros, e assumir publicamente o caráter de um povo aberrante, de um rebotalho humano.

__ Ou exigimos que a lei seja cumprida por todos; inclusive por um de seus mais qualificados guardiões: a polícia...     

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

BRASIL COM EMPREENDEDORES DE JORGE CALDEIRA: A REDESCOBERTA DO BRASIL - 1

Prof Eduardo Simões

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multirio.rio.rj.gov
Memórias de um aprendiz que não sabia tudo, e ainda não sabe, mas está consciente disso...

__ As histórias do Brasil que eu conhecia não existem mais!
__ Quando estava em idade escolar; parece que foi ontem... a história era uma gostosa e intrigante série de fatos curiosos, provocados ou vividos por uma gente muito antiga, mas que em muitos casos se parecia muito a moderna, eu virtude da similaridade das situações por eles vividas e as que eu vivia naquele momento; e por isso foi fácil me tornar próximo desses antigos personagens, e apreciar quando o relato mais geral do movimento histórico cessava e o texto se concentrava mais na biografia deste ou daquele mais afamado, trazendo-me lições de vida que guardo até hoje.
__ Mesmo o relato dos movimentos mais gerais das antigas sociedades humanas estava contaminado pela presença desses ilustres personagens que centralizavam todos esses movimentos e davam uma amarração mais palpável, mais adequada à nossa ignorância e imaturidade, ao grande relato histórico. Nessa época nós aprendíamos a nossa história por meio de autores consagrados antigos, clássicos, como Rocha Pombo, Oliveira Viana, Pedro Calmon, além de Gilberto Freyre, Viana Moog, e, principalmente, Armando Souto Maior, o livro texto de minha geração. Nessa época era comum os jovens dizerem que, após a formatura numa faculdade que lhes desse bons meios de sobrevivência, fariam a faculdade de história, tal a atração que aqueles relatos exerciam sobre eles.
__ Entretanto, começou a haver uma mudança a partir dos anos 1970, quando eu entrei na Faculdade de História, e pude conviver tanto com professores oriundos dessa antiga escola, já francamente decadente, como os da nova abordagem ou da chamada “escola crítica”, eivada da ideologia marxista. Os antigos autoresa eram simplesmente tratados como “cronistas”, sequer mereciam continuar historiadores, embora ainda se lhe reputasse algum respeito pelo apuro e pioneirismo com que alguns coletaram e embasaram os seus relatos em documentos originais; o que daria à sua obra ares de ciência, como Varnhagen e Capistrano de Abreu, por exemplo, mas nenhum professor seria louco ou corajoso o bastante para promover uma evento sobre eles. Não havia interesse pelos professores mais jovens nem coragem pelos mais velhos. Para que se tenha uma ideia mais clara, nesse período fazia grande sucesso uma coleção, a mais completa sobre o tema, de documentos sobre Getúlio Vargas, chamada de “Ciclo Vargas”, montada por uma equipe encabeçada por um médico e jornalista: Hélio Silva, que mais tarde escreveria uma coleção muito vasta e gostosa de ler sobre a História da República, vendida em todas as bancas. Quando certa vez perguntei, a um mestre e pesquisador, bem conceituado entre os professores jovens, de visita à universidade, da importância de Hélio Silva para a historiografia, e ele disse textualmente: “quem sou eu para avaliar o mestre Hélio Silva”. As palavras pareciam indicar que ele se colocava abaixo de Hélio Silva, mas o tamanho do riso de escárnio que ele pôs à boca deixou evidente a todos que aquele não era nem digno de ser mencionado ali! Uma professora ao meu lado, famosa na faculdade, disse-me entre os dentes: “Helio Silva é só um colecionador de fatos!”

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http://zh.clicrbs.com.br
A outra face da historiografia brasileira. Dá uma “peninha”!

__ Até hoje eu não sei se o problema com Hélio Silva era motivado pela divergência ideológica ou se pelo fato de este não ser historiador diplomado, e, portanto, alvo de ciúmes corotativistas, algo semelhante a que vivi, muito tempo depois, quando aconselhei a um jovem estudante de história, ex-aluno do colegial, que prestasse atenção no estilo e no layout de um manual de História do Brasil do jornalista Eduardo Bueno, um historiador “pop”, e um dos poucos que podem viver apenas da venda de seus livros, cheios de clichês, mas agradavelmente escritos e bem ilustrados. Ele me olhou com uma cara de espanto, como quem acredita que concordar com um detalhe, por menor que seja, seria o mesmo que concordar com a obra toda. É a reação dos intransigentes, dos intolerantes. Lamentei-o comigo, mas existe outro tipo de personalidade que esteja sendo gestada nos cursos de humanidades das universidades brasileiras? Agradeço muito quando eles erram...
__ Seja como for, começou a se desenhada, a partir de novos “clássicos”, que na minha faculdade eram Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, Edgard Carone, Sergio Buarque de Holanda, Fernando Novais, Emilia Viotti, Leoncio Basbaum, etc. uma nova História do Brasil criada a partir de conceitos do marxismo, saturada de um cacoete muito comum entre os intelectuais dessa corrente: uma verve de análise, a partir de conceitos ou construtos abstratos, interminável. A “nobreza” ou o “caráter” dos antigos fundadores da pátria e governantes, que no passado, explicavam o nosso caráter nacional, pelo menos no nível escolar fundamental e médio, foram substituídos por outros termos de definição complicada, difíceis de serem determinados concretamente como o de “luta de classes”, “modo de produção”, e, principalmente no caso brasileiro, pelo de “latifúndio”, e suas indefectíveis “relações de produção”. É para a descrição e percepção desses conceitos na realidade brasileira que deve se dirigir o foco do historiador, bem como a sua narrativa. Uma característica que encontrei em vários autores marxistas, principalmente em Caio Prado, é a sua prolixidade, a ausência de referência a fatos concretos que corroborem o que diz, como se eles fossem óbvios para todos, e a repetição daqueles conceitos fundamentais. Nunca consegui terminar um livro dessa gente.  
__ Além desses havia a abordagem proveniente da Escola dos Annales, de França, interessada em pesquisar aspectos desprezados do cotidiano ou mesmo algumas características surpreendentes dos grandes movimentos da história, para deles extrair observações riquíssimas para a nossa compreensão da história, embora Annales seja um desastre quando busca usar o seu método para encontrar um sentido geral nos grandes movimentos da história. Dois marcos desse fracasso são Historia Geral da Civilização Brasileira, organizada por Sérgio Buarque, e Roma e o seu destino, de Raymond Bloch e Jean Cousin, duas obras fantasticamente eruditas, lotadas de fatos, mas absolutamente incapazes de nos revelar qualquer sentido para a história que nos relatam. Annales é a história em farelo.
__ Seja como for, fruto que também sou do meu tempo, acabei incorporando essa nova história, ainda mais porque não havia opção, pelo menos no meu curso, embora nunca tenha abandonado o sentido crítico na minha aprendizagem e a minha insistente mania de perguntar sobre o que todos achavam ser óbvio. A leitura desgraçadamente tardia de Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, deu-me um grande alento, mas não foi suficiente para abalar seriamente a minha adesão fundamental aos ditames da historiografia marxista e suas conclusões para o sentido de nossa sociedade, embora transformasse em mim todo élan pela história de meu país em um enorme tédio, o mesmo tédio que vejo nos meus alunos quando têm que estudar em livros didáticos que oscilam entre a descrição enfadonha de estruturas sociais e o panfletarismo na descrição de conflitos sociais.
__ A esse respeito eu gostaria de dizer o seguinte: a ligação afetiva (alguém se lembra disso?) entre o estudante adolescente e um homem comum, que lê história por diletantismo, e que, por exemplo, adora os livros de Eduardo Bueno, não é a mesma de um acadêmico, logo os temas, a abordagem e a apresentação da história para esse público deve ser necessariamente diferente. As filigranas e as conclusões ideológicas carentes de provas, axiomas normativos, que empolgam a acadêmicos e militantes de partidos dessa ou daquela coloração, nada dizem a um jovem cuja primeira preocupação é sobre como se dará o seu engajamento na sociedade, vista de um ponto de um ângulo ainda muito pessoal, que se for atropelado por um esquema tipo “lavagem cerebral”, “essa é o sentido único da história”, como ás vezes acontece com professores neófitos e manuais tipo “catecismo” em sala de aula, pode, num momento, repetir, por psitacismo, todas aquelas palavras de ordem, e noutro esquecê-las miseravelmente, ou ainda pode se tornar em um fanático acrítico; e aí ninguém ganha. Os acadêmicos precisam aprender a fazer história para os estudantes e para o povo em geral, pois jornalistas, médicos, políticos, etc. já a fazem há muito tempo e com muito sucesso
__ Como disse acima, na raiz da nossa formação histórica estava, onipresente, a realidade do latifúndio, a plantation, que todos aceitavam como um dado prévio, sequer se abrindo para pensar e debater a respeito, ficando por decidir apenas se aquele instituto se enquadrava melhor no modo de produção feudal ou se no capitalista – assisti a uma conferência onde Edgard Carone, no Recife, onde ele defendeu a presença de feudalismo no Brasil, inclusive no Brasil Republicano, alegando o acordo entre o governador da Bahia e coronéis do sertão, na década de 1920, mediado pelo Ministro da Guerra de então, o General Setembrino de Carvalho.
__ Mas não se pense que toda essa discussão sobre o latifúndio tinha algo a ver com a busca de uma compreensão sobre os movimentos de nossa sociedade ou a construção de significados sociais a partir da história, mas antes era uma questão básica vinculada a interesse alienígena: se o latifúndio, em especial o açucareiro, era um instituto capitalista então estava na hora, senão já era passada a hora, de fazer uma revolução socialista no Brasil, sem qualquer concessão à burguesia, e, caso contrário, se era um instituto feudal, ainda havia por fazer uma revolução burguesa e competia então lutar pela formação de frentes contra o regime militar, inclusive com setores moderados da burguesia. Edgard Carone era achegado ao PCB, e isso já diz muita coisa para quem conhece o jogo de alianças políticas daquele momento! A história do Brasil estava sendo desconstruída de dentro para fora, para atender ao jogo de poder de grupos específicos, mantida como sempre fora: uma mera ideologia de poder, a serviço agora de forças opostas àquelas que antes a dominavam, tão opostas no discurso quanto semelhante na prática. Não admira que hoje a história seja uma das disciplinas mais detestadas na escola...
__ Bem, os latifúndios, como sabemos, eram tão grandes quanto poucos, certamente ocupando áreas imensas, enxotando possíveis colonos para áreas mais distantes. Refletindo no mesmo diapasão somos obrigados, no entanto, a considerar que a população brasileira, já no período colonial, era enorme e supostamente concentrada na planície litorânea do Atlântico, como dizia Frei Vicente do Salvador. Sabíamos também que a população das cidades era irrisória, uma meia dúzia delas talvez possuísse em torno de dez mil habitantes – a falta de dados estatísticos é uma marca na nossa história – onde moravam os milhares de homens livres que não eram donos de engenhos? Do que viviam, se a posse da terra e a produção de alimentos estavam voltadas para o plantio de culturas exportáveis, sem falar que os senhores preferiam o trabalho de escravos a pagar salários a trabalhadores livres?
__ Os portugueses, diziam os antigos clássicos, vinham aqui para enriquecer e depois voltar para Portugal. Então, como explicar o crescimento vertiginoso de nossa população, até tornarmo-nos um dos países mais populosos do mundo, se, como sabemos, o número de imigrantes que vieram para cá, no século XIX, chegou tardiamente e não vieram em número tão expressivo a ponto de causar uma explosão populacional?
__ As colônias existiam apenas para serem exploradas pela metrópole, numa forma de economia suplementar, em virtude disso eu cheguei a imaginar que a compra de nossa independência (o célebre empréstimo de dois milhões de libras esterlinas, pedido à Inglaterra em 1825) fora de alguma forma necessária para evitar uma guerra aberta com Portugal que o interesse inglês ajudou a evitar, afinal há séculos vínhamos enriquecendo Portugal em nosso prejuízo, de acordo com a historiografia marxista. Ora, anos depois de terminado o meu curso de história, ao ler um livro sobre História de Portugal, de Oliveira Martins, aprendi que o seu país não tinha a menor condição de mover uma guerra contra o Brasil, que em poderio lhe ultrapassava de muito! Como, se durante três séculos fôramos o cofre do tesouro à disposição dos saques da metrópole? Methuen explica tudo! Diziam os mestres, sugerindo que a riqueza colhida do Brasil fora alienada para a Inglaterra, ajudando a financiar a Revolução Industrial, etc. Mas as condições do Tratado de Methuen, em 1703, eram muito menos severas que a do Pacto Colonial, logo Portugal era plenamente recompensado pelas perdas de Methuen!
__ Se é verdade, como dizia o frei Vicente de Salvador, que os portugueses viviam a aranhar as areias das praias, como se fossem caranguejos, ignorando os sertões, tese que é corroborada por aquela do amplo predomínio do latifúndio, geralmente situado perto da costa, sem falar de todas as iniciativas do estado português para estimular essa área de exploração tão promissora, como explicar uma presença tão numerosa de colonizadores de fala portuguesa, nos sertões da América do Sul, que hoje é o Centro-oeste do Brasil? Como, essa gente vivia? Como explicar o progresso tão pujante dessa região?
__ Os bandeirantes paulistas passaram a ser apresentados como bandos de criminosos genocidas brancos, que, movidos pela ganância, adentraram pelo sertão a destruir tudo que não fosse branco e português. Gente bárbara, na pior expressão do termo, que a história fez bem por extinguir, e talvez fossem até judeus, como sugerem alguns – num debate, aqui em São Paulo, quando levantei a possibilidade de os bandeirantes terem algumas qualidades positivas, como a iniciativa e a perseverança, que poderiam ser úteis para uma ligação entre os escolares e esses personagens tão antigos, para tirar a história do Brasil do limbo intelectual em que se encontrava, uma aluna de história, uma aluna de história se levantou com argumentos do tipo “como se pode citar uma gente que cometeu tantos crimes contra os índios?”
__ Ora, quem quer que tenha um mínimo de informação sobre os moradores da aldeia de São Paulo de Piratininga sabe que o número de gente branca vivendo lá era irrisório, e que a mesma cidade, juntando toda a população livre, branca ou não, não chegara a possuir mais de 2.000 habitantes nesse período, sem falar das baixas que sofria entre muitos que perdiam a vida nessas expedições perigosas. Ora, analisando o registro das expedições, vemos que na grande maioria destas a quantidade de gente branca envolvida mal chegava a 10% do total. Como uma minoria tão inexpressiva conseguia fazer com que tão grande maioria se submetesse, sem mais, a um jugo tão cruel? Falam-se do poderio das armas de fogo; mas quem quer que conheça as armas de fogo nesse período sabe que elas ofereciam muito mais risco a quem as utilizava, do que contra quem eram utilizadas. Só um milagre faria a mecha de o seu pavio ficar acessa, para não falar da operação de acendê-la, dentro de uma floresta tropical úmida. Não precisava nem chover para que ela ou sua pólvora ficasse inoperante. Na verdade a armas usadas pelos bandeirantes eram semelhantes às dos índios, então onde estava a vantagem que explica o resto? Como podem expedições tão minúsculas destruírem aldeamentos que contavam com mais de uma centena de milhar de índios?
__ Será que a atual pujança econômica de São Paulo, em especial na indústria, deve-se apenas aos imigrantes europeus aqui chegados ao final do século XIX?  Li que Boris Fausto tem avançado recentemente nessa direção. Mas estes não passavam de pobres coitados, não raro discriminados aqui dentro, como contam abundantemente a crônica policial e de costumes da época, pois quem tinha recursos e cultura ficava na Europa, não imigraria para o Brasil em navios lotados. Como podem eles ter se criado, em tão pouco tempo, tantas indústrias e uma cultura burguesa cosmopolita tão forte como a de São Paulo? Como explicar os nomes portugueses já presentes em famílias paulistas riquíssimas, nesse período, cuja fortuna não estava ligada necessariamente ou majoritariamente à cafeicultura?

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Jorge Caldeira


__ Agora, que me aproximo do crepúsculo de minha vida e de minha carreira como professor, descubro por acaso, em um sebo do Rio de Janeiro uma edição de 2009 do livro História do Brasil com empreendedores, de Jorge Caldeira, que praticamente me respondeu a todas essas indagações, e, de quebra, ajudou-me muito a entender as limitações de tudo o que eu havia aprendido sobre história de meu país, embora não deixa de chamar a atenção o relativamente pouco apreço que a Academia mostra por esse autor tão revolucionário e suas obras. Espero nos próximos artigos contribuir um pouco para a compreensão dessa obra que para mim é fundamental, e repartir com os meus leitores a leitura e a crítica a uma História do Brasil que, afinal, faz algum sentido.