BRASIL
COM EMPREENDEDORES DE JORGE CALDEIRA – A REDESCOBERTA DO BRASIL-2
Prof
Eduardo Simões
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Gravura
de von Spix
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O melhor e o pior vêm, quase sempre, de onde menos se espera. O sociólogo e
politicólogo, e agora historiador de primeira linha, Jorge Caldeira, relatou
que do encontro fortuito de um livreto autobiográfico de Irineu Evangelista de
Souza, o Visconde de Mauá, nasceu-lhe o desejo de escrever um livro sobre o
assunto, que acabou se tornando um “best-seller”, ao mesmo tempo em que revelou
para o Brasil um de seus melhores historiadores. Como um bom escritor, Caldeira
é fácil de ler e como bom historiador é transparente naquilo que deseja
informar ao leitor. Leia Caldeira e faça o seu julgamento.
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Recentemente, entrei no meu sebo preferido, no Rio de Janeiro, pensando em
comprar o livro Brasil uma biografia
de Schwarcz e Starling, duas brasileiras, acreditem, e quando me dirigi ao
vendedor dei de cara com um livro de Jorge Caldeira, que eu não conhecia, Historia do Brasil com empreendedores,
ali, junto ao caixa, onde fora pedir informação, esperando para ser catalogado.
Pensei, pelo título, que devia ser uma análise do Brasil contemporâneo, que não
me interessava naquele momento, mas pelo simples fato de ser de Caldeira
imediatamente me aguçou a curiosidade de saber sobre seu conteúdo. Lendo o
resumo na contracapa, admirado por não ter ainda ouvido falar desse livro, apesar
de todo o meu interesse pelo autor, a quem reputo entre os melhores do Brasil.
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Imediatamente intuo que estou diante de algo novo, surpreendente, e a leitura
do livro me revela que minha intuição, desta vez, não se enganou: sua leitura
foi um “choque” para mim; a interpretação feita por ele sobre o que foi a
evolução histórica de nosso país põe a historiografia tradicional de ponta
cabeça, ou ao avesso, e, o que é pior, ou melhor, dependendo do ponto de vista,
é que esse livro vem de outros dois que avançaram muito, senão mais nessa
abordagem que, para mim, faz todo sentido. Imediatamente, também, me veio a
pergunta: “como é que esse homem não está despontando na mídia ou correndo de
uma universidade a outra dando palestras ou aprofundando a sua revolucionária
visão de Brasil, superadequada ao momento em que vivemos, e a única que parece
fazer algum sentido?”
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Desgraçadamente Caldeira não tem uma mente esquemática ou maniqueísta o
bastante para cair no agrado de boa parte dos “fazedores de opinião” e seus
leitores ou ouvintes, em grandes ou pequenos meios de comunicação espalhados por
nosso país. Desgraçados de nós, que quase duzentos anos após a independência
ainda não nos tornamos uma nação de ávidos leitores e nossa língua comum ainda
parece com muro, a dividir cultos de incultos, ricos de pobres. Caldeira não
repete slogans, palavras de ordem, nem polariza a realidade; não é assim que se
faz história de boa qualidade.
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Não importa, pois, que muitos brasileiros continuem a seguir os falsos profetas
de sempre, à esquerda ou à direita, precisamos dar aos que ainda pensam mais
material para leitura e reflexão, para que surjam mais reflexões geniais e
atualizadas sobre o Brasil, que sobrepujem a mesmice e a degradação dos
costumes, inclusive do costume de pensar, e nos propiciem novos temas e
abordagens que faça valer a pena o tempo que gastamos com nela, como a História do Brasil para empreendedores
de Jorge Caldeira.
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Com isso em mente proponho-me a apresentar aos leitores desse blog um resumo, o
mais completo possível sobre o que entendi deste livro de Caldeira. Espero ser
tão claro como o autor e não trair nada do que ele disse ou pensou ao escrever
mais essa obra-prima.
Panorama geral
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Logo no primeiro capítulo, na verdade uma introdução, ele nos dá uma vibrante
bordoada, pelo menos nos da minha geração, negando com números robustos, aquilo
que é correntemente dito nos livros de história para qualificar o período final
do século XVIII e início do século XIX, tratado como um tempo de crise
econômica geral, sendo os capítulos correspondentes nos manuais de história
tradicionalmente etiquetados como “crise
do sistema colonial”. Mas uma visão geral sobre a situação econômica das
diversas capitanias nos informa justo do contrário (em negrito os trechos de Caldeira, quando houver negrito em itálico são
citações de outros autores feitas por Caldeira):
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No Rio Grande do Sul As vendas de trigo
para o Rio de Janeiro estavam crescendo... de 7 mil alqueires, em 1780, para
213 mil, em 1800... A produção [de charque,] saltou de 26 mil arrobas, em 1791, para 213 mil, em 1808... (Rio e
Salvador consumiam 80% do total [de gado] embarcado [ou seja, havia um mercado interno dinâmico e
próspero]... Em Santa Catarina a indústria girava em torno do beneficiamento do
óleo de baleia, exportado para o Rio, em troca de escravos, que passaram a representar um quinto da
população de Florianópolis [naquela época Desterro]. No Paraná havia uma
grande exportação, quase toda por contrabando, de erva mate para Buenos Aires. A população escrava de Curitiba estava em
crescimento, chegando a 16% do total.
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Em São Paulo, na Feira de Sorocaba, anualmente
se negociavam algo em torno de 15 mil mulas a cavalos vindos do sul com
tropeiros, gerando uma infinidade de negócios e atividades correlatas. O
embarque do açúcar, pelo porto de Santos evoluiu de 114,5 mil arrobas, em 1797, para 194 mil, em 1818... a população
escrava de Campinas cresceu 150% nas duas primeiras décadas do século XIX.
O açúcar também vai movimentar a economia do Vale do Paraíba, e como sinal
dessa prosperidade o contingente de
cativos na população de Guaratinguetá saltou de 11,9%, em 1775, para 37%, em
1801.
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Em Goiás, o elevado percentual de cativos no seio da população 42%, mesmo com a
decadência do ciclo do ouro, aponta para uma sociedade próspera e para uma
economia voltada a um mercado interno, baseada principalmente na pecuária.
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No Maranhão, o valor das exportações de algodão... passara de 335 contos [de réis],
em 1780, para 3,3 mil contos, no ano de 1800... o registro oficial [das
exportações de algodão] era de um grande
superavit na balança comercial entre a região e a metrópole [onde fica a
“espoliação” da colônia pela metrópole?]... o Maranhão era a região brasileira com maior concentração de
escravos...133 mil, em 1819, correspondentes a 66% da população. No Ceará
as vilas de Aracati e Camocim concentravam o comércio de gado e indústria de
carne bovina abatendo em torno de 50 mil
reses anuais para processamento. O algodão do Ceará era enviado a
Pernambuco e trocado por escravos, gerando o grande crescimento de Fortaleza, e
da população escrava do Ceará, que passou a ser 27,9% da população da capitania. O progresso foi tanto que Portugal
resolveu separar o Ceará de Pernambuco, em 1796.
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Entretanto havia exceções à regra geral, como foi o caso da capitania do Rio
Grande do Norte, que englobava a Paraíba. Em
1799, ela foi separada administrativamente de Pernambuco. O objetivo central
era desviar os fluxos de comércio para a metrópole, permitindo que os ganhos nas
trocas ficassem com os comerciantes lisboetas [meros parasitas do estado
português]. Os diligentes esforços...
resultaram apenas na diminuição do fluxo de comércio. Essas amputações de
Pernambuco, segundo Caldeira, visavam enfraquecer o elán econômico de
Pernambuco, que apresentava índices de superavit apreciáveis em seu comércio
com a metrópole; mas no geral Pernambuco se aguentou bem, graças ao intenso
comércio que articulava com outras regiões do semiárido nordestino, voltado
para o mercado interno.
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Citando Amílcar Martins Filho e Roberto Martins, Caldeira descreve assim a
situação de Minas Gerais nesse período: “A condição essencial para a existência da
escravidão [em Minas] não foi a plantation escravista, mas a
existência de terras livres. Não havia suprimento voluntário de trabalho
assalariado... porque a fronteira agrícola era imensa e estava sempre aberta...
sempre faltaram trabalhadores assalariados. Os camponeses livres até aceitavam
trabalhos ocasionais... mas era muito difícil convencê-los a trabalhar para
outros de modo permanente [por que fazer isso se eles podiam ter sua
terra?]”. A prova que nem mesmo após a decadência do ouro Minas Gerais não perdeu
sua vitalidade econômica é que embora o percentual da população escrava, em
relação ao resto da população, tenha caído entre 1786 e 1823, em números
absolutos sua população cresceu de 174 mil para 189 mil. A população livre, em
contrapartida, mais que dobrou nesse período.
__ O motor da Capitania do Rio de Janeiro era o açúcar. O número total de engenhos passou de 34, em 1767, para 328, em 1799. Os dados que possuímos a respeito desse mercado interno, que não são tantos nem de tão fácil acesso como gostaríamos, mas é o suficiente para dar um retrato inequívoco da extraordinária pujança econômica do Brasil, ao final do século XVIII.
__ O motor da Capitania do Rio de Janeiro era o açúcar. O número total de engenhos passou de 34, em 1767, para 328, em 1799. Os dados que possuímos a respeito desse mercado interno, que não são tantos nem de tão fácil acesso como gostaríamos, mas é o suficiente para dar um retrato inequívoco da extraordinária pujança econômica do Brasil, ao final do século XVIII.
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E qual o papel das exportações, que tanta atenção atrai dos estudiosos sobre a
nossa história, principalmente aquele que são adeptos do viés latifundiário
para explicar as mazelas de nossa formação? O principal produto da pauta, o açúcar... Estagnadas no início... as
exportações conheceram forte flutuações ao longo dos dez anos posteriores a
1795 – sem tendência clara de alta. E isso acontece num momento em que a
produção do Sudeste mantinha um padrão firme de crescimento. Ou seja,
estava gerando excedentes! O que só pode ser explicado pelo aumento das vendas
no mercado interno ou em operações exportações ilegais, como, por exemplo, o
contrabando para a região platina.
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O plantio de algodão floresce antes de o
produto ganhar relevância na pauta – sem que existissem investimentos
metropolitanos.
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Essa riqueza imensa não era produzida apenas ou majoritariamente por escravos,
antes por homens livres: Segundo as
estatísticas oficiais brasileiras disponíveis, em 1819 a população... total
seria de 4,39 milhões de pessoas (se considerados os índios livres como
cidadãos)... A composição dessa população seria a seguinte: 56% de colonos
livres; 18,2% de índios livres (portanto 74,8% de pessoas livres); 25,2% de
escravos. Ainda que desprezados os índios como moradores do Brasil... as
proporções seriam de 69,1% de pessoas livres e 30,9% de escravos. E mais: a média de escravos por proprietário, na
virada do século, era de cinco cativos (!), o número de proprietários de escravos pode ser estimado em 220 mil – ou
9% do contingente de homens livres... 91% do total [dos homens livres] não era proprietários de escravos. A
grande maioria da riqueza produzida no Brasil pelos brasileiros se encontrava
no mercado interno e foi gerada por trabalho livre e a escravidão não foi tão
disseminada como se supunha.
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Entretanto, a maior fonte de capitais, o nosso sistema bancário da época, não
estava, como seria de se esperar, pelas explicações tradicionais, nas mãos de
comerciantes lusos, mas antes na de ricos traficantes de escravos brasileiros,
concentrados nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro. Sua fortuna era
impressionante: apenas o valor do
inventário de João Gomes Barroso, feito em 1809, equivalia a 24% das
exportações de todo o Brasil naquele ano [uns 50 bilhões de dólares hoje].
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A força impressionante do Brasil, frente à sua metrópole, se mostra nos
seguintes dados: entre 1796 e 1807... as
exportações brasileiras corresponderam a 83,7% das exportações das colônias
portuguesas, e a venda dessas exportações para outros países gerou 56,6% de
todas as receitas do Império... o Brasil consumia 78,4% de todos os produtos
enviados da metrópole para as suas colônias, e 59,1% do total de produtos
importados pelo Reino. Inclusive em capítulo de seu livro Caldeira ressalta
que por volta do ano 1800, o Brasil era, tanto em termos de população como de
pujança econômica, tão forte como os Estados Unidos de então, que, não
esqueçamos, enfrentara numa guerra recente a maior potência da época, quase de
igual para igual! Logo estávamos também neste nível!
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Essa situação, segundo Caldeira, só teria duas interpretações possíveis: a
primeira seria o reconhecimento de que para além do sistema colonial
“tradicional”, circunscrito pelo “Pacto Colonial”, com todos os seus caracteres
tão bem conhecidos: latifúndio, escravidão, monopólio comercial lusitano, dependência
do mercado externo, etc., havia outro muito ativo e dinâmico formado por um
vasto mercado interno, tocado principalmente por produtores livres, com grande
espírito empreendedor, avesso aos controles metropolitanos, capaz de gerar uma
riqueza tremenda, mas mal aquilatada e ainda oculta a muitos pesquisadores. A
outra é continuar a insistir na tese da predominância do latifúndio, da camisa
de força do “Pacto Colonial” – atente o leitor que Caldeira em nenhum momento usa
o termo “Pacto Colonial” – e simplesmente negar os dados da realidade,
mostrados acima, deixando um “buraco” na hipótese e um monte de perguntas fundamentais
sem respostas, omo aquelas que apresentei no artigo precedente.
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Caldeira sabe que a sua missão, rever a tese do “exclusivo” ou do “pacto” latifundiário-agrário-exportador,
não será fácil, pois, para além da questão histórico-científica, há o problema
ideológico. “Grande parte dos estudiosos
que empregam o modelo do latifúndio agrário-exportador entende que o sucesso
desse modelo é o resultado da aplicação do marxismo como metodologia”. E é
justamente esse o grande mérito do livro, combater uma crença infundada de
alguns marxistas usando, além de muitos dados de realidade, categorias de
análise marxistas!
Em busca de uma fonte
misteriosa
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/d/d7/Oliveira_Viana.jpg
Por
Fonte, Conteúdo restrito, https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=2941396
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Como apareceu e se tornou tão onipresente na leitura da evolução histórica do
Brasil a tese do latifúndio-escravista-exportador, como coluna vertebral da
nossa formação, a panaceia que explica praticamente todas as nossas mazelas e
responde a pergunta mais inquietante nas mentes brasílicas: como pode um país
com tantos recursos, com tanto potencial, não deslanchar na via do progresso, como um eterno condenado a nadar, nadar, e morrer
na praia, que nem Sísifo e o seu pedregulho? O latifúndio explica tudo, segundo
tese tradicional, e, de uma maneira geral, atribui-se o pioneirismo do uso
desse conceito a Caio Prado Junior, que o teria apresentado pela primeira vez
em seu livro Evolução política do Brasil,
de 1933. A forma como Caio Prado chegou a essa conclusão merece um estudo, e
Caldeira o faz com maestria.
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A primeira coisa a notar é que por esse livro, e pelos seguintes, que são um
desdobramento da tese pioneira de Evolução
política, Caio Prado, é saudado por notórios e notáveis pensadores da
esquerda brasileira como um pioneiro em vários sentidos, embora eles, por vezes,
tenham dificuldade, em virtude de inconsistências no texto, em definir a matriz
do pensamento do autor. Caldeira cita os historiadores Paulo Henrique Martinez,
Paulo Teixeira Iumatti, Carlos Guilherme Mota, o filósofo Leandro Konder, os
sociólogos Florestan Fernandes, Bernardo Ricúpero (que compara a obra de Prado
a uma análise semelhante, feita por Lênin, em relação ao capitalismo na Rússia)
e Otavio Ianni, cujos elogios merecem destaque: “Caio Prado Jr. Entra na
história... como autor de uma interpretação original e influente. Inaugura uma
interpretação marxista da formação social brasileira, estabelecendo um
horizonte intelectual novo, sem o qual não foi mais possível pensar a história
do Brasil... legou-nos a tradição da história social marxista...”
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Entre os admiradores de Caio Prado, dos citados por Caldeira, o que mais perto
chegou de desconfiar que havia algo errado foi o filósofo marxista Carlos
Nelson Coutinho: “O estoque de categorias marxistas de que se vale Caio Prado não é muito
rico... [suas falhas derivam] da prioridade metodológica que ele...
atribui à esfera da circulação em detrimento da esfera de produção. Isso faz
com que ele utilize de modo pouco rigoroso a noção de burguesia” Mas a
autoridade dos escritos de Prado, sabe-se lá por que razão, já que está a
se tratar de uma discussão pretensamente
“científica”, é tamanha que logo após essas críticas Coutinho reconstrói, ainda
mais imponente, o que antes demolira: “Seria uma pretensão mesquinha e ridícula
submeter Caio Prado a um exame de marxismo [por quê? Não é isso que se
faz em um debate científico, na discussão de hipóteses, que não sejam
consideradas como “revelação?] os limites de sua produção... mas para
sublinhar a sua criatividade... Pode-se mesmo dizer que... Caio Prado
contribuiu para o próprio enriquecimento marxista de “vias não clássicas” para
o capitalismo”. Noutras palavras, a carência em Caio Prado, para
Coutinho, é mérito e sinal de “criatividade”, já imaginaram se todos os outros
autores, independente de filiação ideológica, fossem tratados assim?
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O impacto de Caio Prado Jr e de sua historiografia na Academia foi tão grande
que a historiadora Maria Yedda Linhares, de esquerda, disse numa entrevista: “Caio
Prado transformou-se numa espécie de Bíblia da historiografia; quem não repetia
o que ele dizia estava cometendo uma espécie de heresia, uma traição”.
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Levantado todo esse aparato de elogios incondicionais dos mais abalizados guias
do chamado pensamento marxista brasileiro, tendo estabelecido claramente a
relevância de Caio Prado Jr no pensamento nacional, urge agora se dirigir à
primeira questão central do livro: que leitura, que autores, serviram de
embasamento à tese mais que vitoriosa de Caio Prado, exposta em Evolução política do Brasil, e que até
hoje serve de baliza para a nossa historiografia? Caldeira, assim como
Coutinho, percebeu claramente as limitações do texto, mas ao invés de se
submeter a priori aos ditame de uma igreja que não lhe dizia respeito, foi mais
a fundo para pesquisar onde Caio Prado absorvera ensinamentos para escrever o seu
livro, em 1933.
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Filho de uma das mais tradicionais e ricas famílias paulistanas, é óbvio que
Caio Prado não foi educado de berço na doutrina marxista, também não há nenhum
registro de que ele fosse leitor de Marx até sua entrada no Partido Comunista,
mais ou menos na metade de 1932, segundo Caldeira – até esse momento Prado era
um militante liberal do Partido Democrático, desiludido com os rumos do
movimento de 1930. Pesquisando os papeis pessoais de Caio Prado, Caldeira não
encontrou qualquer referência a uma leitura minimamente substanciosa de algum
autor marxista, até a data da edição do livro. Até ali ele tivera que se
contentar com toscas resenhas, dessas que aparecem em conclamações ou artigos
de jornais, escritas por algum militante tão apaixonado quanto desconhecedor da
teoria, em virtude da minuciosa censura que havia no país em relação a esse
material. Caio Prado, por ser financeiramente mais estribado, teria mandado vir
algum material sobre marxismo da França, mas não há indício, de que até ali
tenha lido qualquer obra relevante sobre o tema, ante da primeira edição de sue
livro. De onde lhe veio, pois, essa autoridade em marxismo, tão alardeada por
tantos e apaixonados admiradores?
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Caldeira mergulha então na história da família Prado, cujas raízes se estendem
até o século XVIII, e revela a imensa participação desta família na vida
cultural brasileira, e até estrangeira, em especial a francesa, no final do
século XIX e início do século XX. Um dos
tios de Caio, Paulo Prado, grande comerciante e financista, e um apaixonado
pela história, autor de uma análise clássica sobre o caráter do brasileiro: Retrato do Brasil – ensaio sobre a tristeza
brasileira, recebia regularmente, em sua casa, a visita de historiadores
dos mais consagrados na sua época, como Capistrano de Abreu e Oliveira Viana.
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E aí começa a ser desvendada a fonte misteriosa do conceito-chave “latifúndio
agrário-exportador” de Caio Prado Jr., que mudou a leitura da história do
Brasil.
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