sábado, 2 de setembro de 2017

OPERAÇÃO LOBISOMEM

Prof Eduardo Simões

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/bd/Lekythos_Dolon_Louvre_CA1802_n2.jpg/320px-Lekythos_Dolon_Louvre_CA1802_n2.jpg
By Marie-Lan Nguyen (2011), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7703465

__ No início do ano 2000, quando eu era professor da EE Conselheiro Rodrigues Alves, em Guaratinguetá, encontrei numa saleta desprezada, da qual tornei-me frequentador assíduo, onde encontrei alguns livros muito antigos, mas não pouco valiosos, assim como um ferramental interessante, complexo, artefatos, que, pelo seu aspecto, logo se denotava sua antiguidade. Um funcionário que me acompanhava observou: “Foi o que sobrou do antigo laboratório” Fiquei pasmo e pensando comigo: “Como eles valorizavam e investiam em ciências no início do século passado!”
__ No ano seguinte, já na EE Costa Braga, entrei num quarto de despejo, atrás de um palco, que os alunos usavam como “camarim”, e que eu sabia ser o antigo laboratório.  Vi algumas engenhocas sobre uma lousa de mármore (lembro-me de um disco de Newton; havia outras, mas não seu nomeá-las), e comecei a abrir alguns armários de alvenaria. Que surpresa! Equipamentos de laboratório típicos dos anos 60 ou 70. Pipetas, beckeres, vasilhames graduados diversos, tubos de ensaio aos montes, e uma infinidade de pequenos frascos que, pela leitura dos rótulos, guardavam substâncias químicas, há muito vencidas. Quase chorei. Lembrei-me, com saudade dos anos 70 quando a editora Abril Cultural lançou uma coleção mensal chamada Os cientistas, em que cada número vinha acompanhado de um pequeno kit de experimentos, relativos à área do cientista em questão, junto com uma peça para se construir, no final, um microscópio; tudo em casa! O futuro era claro: seríamos uma nação de cientistas, sem abrir mão da cultura humanista geral; eis uma despesa que valia a pena ser feita!
__ Percebi, então, que os laboratórios estavam sendo substituídos por salas de computadores, onde programas simulavam experimentos científicos a custo quase zero ou por simulacros de laboratórios, caixas com equipamentos de experimentos padrões, entregue a um professor, pera ele realizar o experimento ali, na frente dos alunos que, passivos, apenas observariam. Existe algo mais desinteressante que isso? Existe sim: um burocrata ou um vendedor, querendo te convencer que isso funciona... O PRINCIPAL OBJETIVO DOS ESTADOS BRASILEIRO E PAULISTA, NO QUE TOCA A EDUCAÇÃO, É REDUZIR AS DESPESAS. Só isso!
__ Ano 2017! Estou ministrando aula, numa turma final de ENSINO MÉDIO, falando sobre as viagens espaciais, durante a Guerra Fria, quando me aventuro a dar uma lição para os meus alunos de como se comportar cientificamente diante de um fato insólito, veio-me à mente as histórias de lobisomem, frequente no folclore local, quando um aluno me chama a atenção ao dizer: “Eu tenho um tio que já virou porco!” Ante o riso geral ele completa: “Fora brincadeira, meu tio é louco e uma vez sumiu de casa. Minha mãe, no dia seguinte, encontrou um porcão enorme junto dos outros. Era o meu tio” tentei consertar: “Pera aí; sua mãe encontrou o seu tio, por causa da loucura dele, andando de quatro (nesse momento o riso foi maior ainda, pois, como acontece nas escolas brasileiras, há um clima sufocante, difuso e compulsivo pelo sexo ou tudo que remeta a sexo, principalmente as práticas mais incomuns) no meio dos porcos, fuçando o chão”. “Não professor! Ele tinha virado porco mesmo”. “Com orelhas enormes caídas, com aquele rabo e focinho redondo?” “Sim, me respondeu ele, e depois ele virou homem de novo e está lá. Eu juro pela minha mãe”.
__ Uma coisa que me chamou a atenção foi o riso tímido dos alunos enquanto ele falava da absurda transformação, como que a dizerem para si mesmos: “É melhor eu não rir muito, porque depois acontece comigo...” Mas podia ser apenas uma impressão, e por isso eu resolvi fazer uma enquete sobre o nível de pensamento mágico daquela turma – pedi que eles escrevessem em um pedaço de papel, sem se identificar, a resposta a três perguntas – eis o resultado:
__ “Você acredita que existe lobisomem ou outros animais fantásticos?” 72% afirmaram que “SIM”
__ “Você acredita na aparição de almas do outro mundo ou assombrações aparecendo às pessoas deste mundo?” 78% afirmaram que SIM
__ “Você acredita que por meio de magia alguém pode mudar a realidade ou os sentimentos ou pensamentos de outra pessoa?” 66% afirmaram que SIM
__ Estendi a enquete às outras turmas e os resultados não foram melhores: numa turma do Fundamental 89% disseram acreditar em almas e assombrações (um índice próximo ao da pré-história) e 63% em lobisomem; em outra turma do Ensino Médio 67% disse acreditar em magia. No cômputo geral pode-se dizer que na minha escola 55% dos alunos acreditam em lobisomem; para 60% deles, praticamente não há qualquer barreira entre o mundo real e o mundo dos espíritos (seus medos mais extravagantes são, portanto, reais; um aluno, da turma terminal, disse que, quando voltava, de moto, da casa da namorada, nunca olhava para trás; só Deus sabe quem ou o quê pode estar sentado na sua garupa); e 47% afirmaram que acreditam em fenômenos mágicos neste mundo. PRA QUE É QUE ESTÁ SERVINDO ESTA ESCOLA?
__ Mas console-se, você que é brasileiro e não desiste nunca, inclusive de ser enganado, pois existe uma espalhafatosa reforma do Ensino Médio sendo encaminhado pelo governo mais desmoralizado e corrupto da história, no sentido de reforçar a aprendizagem científica e tecnológica de nossos alunos! Eu só temo é o contato de uma geração que acredita em lobisomem, magia, e está mergulhada nos medos mais primitivos com complexos e caríssimos equipamentos industriais e científicos do século XXI. Lobisomens, vampiros, mulas sem cabeça e almas penadas vagando em laboratórios e plantas industriais. E nós que os imaginávamos apenas no Congresso Nacional...
__ Brincadeiras à parte; pois isso é muito, muito sério, e tenho certeza que se se os professores repetirem essa enquete em outras escolas não encontrarão índices muito diferentes, que comporão, a meu ver, a melhor imagem da terra arrasada em que se tornou a educação brasileira; e tentando fazer uma precária analogia com outros momentos da história não encontro nada mais adequado do que o momento que se seguiu à queda do Império Romano, onde um magnífico arcabouço cultural, científico e tecnológico foi substituído gradualmente pelo pensamento mágico-empírico dos povos germânicos, tecnologicamente mais atrasados, e que deve ter se estabilizado lá por volta do século X, permitindo uma retomada da cultura greco-romana nos séculos seguintes, principalmente na Renascença.
__ Bem vindos, amigos ao ano mil, uma realidade patrocinada pelas Secretarias e Ministério da Educação.

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b3/Breaking_Wheel.jpg
By Unknown - The execution of Peter Stuube. From a contemporary poster printed in Augsburg, Germany (1589). Staats- Stadtbibliothek, Augsburg. [1], Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=810311

De frente para o futuro! Execução de Peter Stumpp, sua filha e amante, em Colonia, Alemanha, em 31 de outubro de 1589, acusados por uso de magia, além de ele ser um "lobisomem". 

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