OPERAÇÃO
LOBISOMEM
Prof
Eduardo Simões
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/b/bd/Lekythos_Dolon_Louvre_CA1802_n2.jpg/320px-Lekythos_Dolon_Louvre_CA1802_n2.jpg
By Marie-Lan Nguyen (2011), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7703465
By Marie-Lan Nguyen (2011), CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7703465
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No início do ano 2000, quando eu era professor da EE Conselheiro Rodrigues
Alves, em Guaratinguetá, encontrei numa saleta desprezada, da qual tornei-me
frequentador assíduo, onde encontrei alguns livros muito antigos, mas não pouco
valiosos, assim como um ferramental interessante, complexo, artefatos, que,
pelo seu aspecto, logo se denotava sua antiguidade. Um funcionário que me
acompanhava observou: “Foi o que sobrou do antigo laboratório” Fiquei pasmo e
pensando comigo: “Como eles valorizavam e investiam em ciências no início do
século passado!”
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No ano seguinte, já na EE Costa Braga, entrei num quarto de despejo, atrás de
um palco, que os alunos usavam como “camarim”, e que eu sabia ser o antigo
laboratório. Vi algumas engenhocas sobre
uma lousa de mármore (lembro-me de um disco de Newton; havia outras, mas não
seu nomeá-las), e comecei a abrir alguns armários de alvenaria. Que surpresa! Equipamentos
de laboratório típicos dos anos 60 ou 70. Pipetas, beckeres, vasilhames
graduados diversos, tubos de ensaio aos montes, e uma infinidade de pequenos
frascos que, pela leitura dos rótulos, guardavam substâncias químicas, há muito
vencidas. Quase chorei. Lembrei-me, com saudade dos anos 70 quando a editora Abril
Cultural lançou uma coleção mensal chamada Os
cientistas, em que cada número vinha acompanhado de um pequeno kit de
experimentos, relativos à área do cientista em questão, junto com uma peça para
se construir, no final, um microscópio; tudo em casa! O futuro era claro: seríamos
uma nação de cientistas, sem abrir mão da cultura humanista geral; eis uma
despesa que valia a pena ser feita!
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Percebi, então, que os laboratórios estavam sendo substituídos por salas de
computadores, onde programas simulavam experimentos científicos a custo quase
zero ou por simulacros de laboratórios, caixas com equipamentos de experimentos
padrões, entregue a um professor, pera ele realizar o experimento ali, na frente
dos alunos que, passivos, apenas observariam. Existe algo mais desinteressante
que isso? Existe sim: um burocrata ou um vendedor, querendo te convencer que
isso funciona... O PRINCIPAL OBJETIVO DOS ESTADOS BRASILEIRO E PAULISTA, NO QUE
TOCA A EDUCAÇÃO, É REDUZIR AS DESPESAS. Só isso!
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Ano 2017! Estou ministrando aula, numa turma final de ENSINO MÉDIO, falando sobre as viagens espaciais, durante a Guerra
Fria, quando me aventuro a dar uma lição para os meus alunos de como se
comportar cientificamente diante de um fato insólito, veio-me à mente as
histórias de lobisomem, frequente no folclore local, quando um aluno me chama a
atenção ao dizer: “Eu tenho um tio que já virou porco!” Ante o riso geral ele
completa: “Fora brincadeira, meu tio é louco e uma vez sumiu de casa. Minha
mãe, no dia seguinte, encontrou um porcão enorme junto dos outros. Era o meu
tio” tentei consertar: “Pera aí; sua mãe encontrou o seu tio, por causa da
loucura dele, andando de quatro (nesse momento o riso foi maior ainda, pois,
como acontece nas escolas brasileiras, há um clima sufocante, difuso e
compulsivo pelo sexo ou tudo que remeta a sexo, principalmente as práticas mais
incomuns) no meio dos porcos, fuçando o chão”. “Não professor! Ele tinha virado
porco mesmo”. “Com orelhas enormes caídas, com aquele rabo e focinho redondo?” “Sim,
me respondeu ele, e depois ele virou homem de novo e está lá. Eu juro pela
minha mãe”.
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Uma coisa que me chamou a atenção foi o riso tímido dos alunos enquanto ele
falava da absurda transformação, como que a dizerem para si mesmos: “É melhor
eu não rir muito, porque depois acontece comigo...” Mas podia ser apenas uma
impressão, e por isso eu resolvi fazer uma enquete sobre o nível de pensamento
mágico daquela turma – pedi que eles escrevessem em um pedaço de papel, sem se
identificar, a resposta a três perguntas – eis o resultado:
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“Você acredita que existe lobisomem ou outros animais fantásticos?” 72%
afirmaram que “SIM”
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“Você acredita na aparição de almas do outro mundo ou assombrações aparecendo
às pessoas deste mundo?” 78% afirmaram que SIM
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“Você acredita que por meio de magia alguém pode mudar a realidade ou os sentimentos
ou pensamentos de outra pessoa?” 66% afirmaram que SIM
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Estendi a enquete às outras turmas e os resultados não foram melhores: numa
turma do Fundamental 89% disseram acreditar em almas e assombrações (um índice
próximo ao da pré-história) e 63% em lobisomem; em outra turma do Ensino Médio
67% disse acreditar em magia. No cômputo geral pode-se dizer que na minha
escola 55% dos alunos acreditam em lobisomem; para 60% deles, praticamente não
há qualquer barreira entre o mundo real e o mundo dos espíritos (seus medos
mais extravagantes são, portanto, reais; um aluno, da turma terminal, disse que,
quando voltava, de moto, da casa da namorada, nunca olhava para trás; só Deus
sabe quem ou o quê pode estar sentado na sua garupa); e 47% afirmaram que
acreditam em fenômenos mágicos neste mundo. PRA QUE É QUE ESTÁ SERVINDO ESTA ESCOLA?
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Mas console-se, você que é brasileiro e não desiste nunca, inclusive de ser
enganado, pois existe uma espalhafatosa reforma do Ensino Médio sendo
encaminhado pelo governo mais desmoralizado e corrupto da história, no sentido
de reforçar a aprendizagem científica e tecnológica de nossos alunos! Eu só
temo é o contato de uma geração que acredita em lobisomem, magia, e está
mergulhada nos medos mais primitivos com complexos e caríssimos equipamentos industriais
e científicos do século XXI. Lobisomens, vampiros, mulas sem cabeça e almas penadas vagando em
laboratórios e plantas industriais. E nós que os imaginávamos apenas no
Congresso Nacional...
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Brincadeiras à parte; pois isso é muito, muito sério, e tenho certeza que se se
os professores repetirem essa enquete em outras escolas não encontrarão índices
muito diferentes, que comporão, a meu ver, a melhor imagem da terra arrasada em
que se tornou a educação brasileira; e tentando fazer uma precária analogia com
outros momentos da história não encontro nada mais adequado do que o momento
que se seguiu à queda do Império Romano, onde um magnífico arcabouço cultural,
científico e tecnológico foi substituído gradualmente pelo pensamento mágico-empírico
dos povos germânicos, tecnologicamente mais atrasados, e que deve ter se
estabilizado lá por volta do século X, permitindo uma retomada da cultura
greco-romana nos séculos seguintes, principalmente na Renascença.
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Bem vindos, amigos ao ano mil, uma realidade patrocinada pelas Secretarias e
Ministério da Educação.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b3/Breaking_Wheel.jpg
By
Unknown - The execution of Peter Stuube. From a contemporary poster printed in
Augsburg, Germany (1589). Staats- Stadtbibliothek, Augsburg. [1], Public
Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=810311
De frente para o futuro! Execução
de Peter Stumpp, sua filha e amante, em Colonia, Alemanha, em 31 de outubro de
1589, acusados por uso de magia, além de ele ser um "lobisomem".
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