BRASIL
COM EMPREENDEDORES DE JORGE CALDEIRA: A REDESCOBERTA DO BRASIL - 1
Prof
Eduardo Simões
http://multirio.rio.rj.gov.br/images/historia_do_brasil/M1-cap8/1_Debret_repouso_mineiros_corrigido_T.jpg
multirio.rio.rj.gov
Memórias
de um aprendiz que não sabia tudo, e ainda não sabe, mas está consciente
disso...
__
As histórias do Brasil que eu conhecia não existem mais!
__
Quando estava em idade escolar; parece que foi ontem... a história era uma
gostosa e intrigante série de fatos curiosos, provocados ou vividos por uma gente
muito antiga, mas que em muitos casos se parecia muito a moderna, eu virtude da
similaridade das situações por eles vividas e as que eu vivia naquele momento;
e por isso foi fácil me tornar próximo desses antigos personagens, e apreciar
quando o relato mais geral do movimento histórico cessava e o texto se
concentrava mais na biografia deste ou daquele mais afamado, trazendo-me lições
de vida que guardo até hoje.
__
Mesmo o relato dos movimentos mais gerais das antigas sociedades humanas estava
contaminado pela presença desses ilustres personagens que centralizavam todos
esses movimentos e davam uma amarração mais palpável, mais adequada à nossa
ignorância e imaturidade, ao grande relato histórico. Nessa época nós
aprendíamos a nossa história por meio de autores consagrados antigos, clássicos,
como Rocha Pombo, Oliveira Viana, Pedro Calmon, além de Gilberto Freyre, Viana
Moog, e, principalmente, Armando Souto Maior, o livro texto de minha geração.
Nessa época era comum os jovens dizerem que, após a formatura numa faculdade
que lhes desse bons meios de sobrevivência, fariam a faculdade de história, tal
a atração que aqueles relatos exerciam sobre eles.
__
Entretanto, começou a haver uma mudança a partir dos anos 1970, quando eu
entrei na Faculdade de História, e pude conviver tanto com professores oriundos
dessa antiga escola, já francamente decadente, como os da nova abordagem ou da
chamada “escola crítica”, eivada da ideologia marxista. Os antigos autoresa
eram simplesmente tratados como “cronistas”, sequer mereciam continuar
historiadores, embora ainda se lhe reputasse algum respeito pelo apuro e
pioneirismo com que alguns coletaram e embasaram os seus relatos em documentos
originais; o que daria à sua obra ares de ciência, como Varnhagen e Capistrano
de Abreu, por exemplo, mas nenhum professor seria louco ou corajoso o bastante
para promover uma evento sobre eles. Não havia interesse pelos professores mais
jovens nem coragem pelos mais velhos. Para que se tenha uma ideia mais clara,
nesse período fazia grande sucesso uma coleção, a mais completa sobre o tema,
de documentos sobre Getúlio Vargas, chamada de “Ciclo Vargas”, montada por uma
equipe encabeçada por um médico e jornalista: Hélio Silva, que mais tarde
escreveria uma coleção muito vasta e gostosa de ler sobre a História da
República, vendida em todas as bancas. Quando certa vez perguntei, a um mestre
e pesquisador, bem conceituado entre os professores jovens, de visita à
universidade, da importância de Hélio Silva para a historiografia, e ele disse
textualmente: “quem sou eu para avaliar o mestre Hélio Silva”. As palavras
pareciam indicar que ele se colocava abaixo de Hélio Silva, mas o tamanho do
riso de escárnio que ele pôs à boca deixou evidente a todos que aquele não era nem
digno de ser mencionado ali! Uma professora ao meu lado, famosa na faculdade, disse-me
entre os dentes: “Helio Silva é só um colecionador de fatos!”
http://www.clicrbs.com.br/rbs/image/16855365.jpg
http://zh.clicrbs.com.br
A
outra face da historiografia brasileira. Dá uma “peninha”!
__
Até hoje eu não sei se o problema com Hélio Silva era motivado pela divergência
ideológica ou se pelo fato de este não ser historiador diplomado, e, portanto, alvo
de ciúmes corotativistas, algo semelhante a que vivi, muito tempo depois,
quando aconselhei a um jovem estudante de história, ex-aluno do colegial, que
prestasse atenção no estilo e no layout de um manual de História do Brasil do
jornalista Eduardo Bueno, um historiador “pop”, e um dos poucos que podem viver
apenas da venda de seus livros, cheios de clichês, mas agradavelmente escritos
e bem ilustrados. Ele me olhou com uma cara de espanto, como quem acredita que
concordar com um detalhe, por menor que seja, seria o mesmo que concordar com a
obra toda. É a reação dos intransigentes, dos intolerantes. Lamentei-o comigo,
mas existe outro tipo de personalidade que esteja sendo gestada nos cursos de
humanidades das universidades brasileiras? Agradeço muito quando eles erram...
__
Seja como for, começou a se desenhada, a partir de novos “clássicos”, que na
minha faculdade eram Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, Edgard Carone,
Sergio Buarque de Holanda, Fernando Novais, Emilia Viotti, Leoncio Basbaum, etc.
uma nova História do Brasil criada a partir de conceitos do marxismo, saturada
de um cacoete muito comum entre os intelectuais dessa corrente: uma verve de
análise, a partir de conceitos ou construtos abstratos, interminável. A
“nobreza” ou o “caráter” dos antigos fundadores da pátria e governantes, que no
passado, explicavam o nosso caráter nacional, pelo menos no nível escolar
fundamental e médio, foram substituídos por outros termos de definição
complicada, difíceis de serem determinados concretamente como o de “luta de
classes”, “modo de produção”, e, principalmente no caso brasileiro, pelo de
“latifúndio”, e suas indefectíveis “relações de produção”. É para a descrição e
percepção desses conceitos na realidade brasileira que deve se dirigir o foco
do historiador, bem como a sua narrativa. Uma característica que encontrei em
vários autores marxistas, principalmente em Caio Prado, é a sua prolixidade, a
ausência de referência a fatos concretos que corroborem o que diz, como se eles
fossem óbvios para todos, e a repetição daqueles conceitos fundamentais. Nunca
consegui terminar um livro dessa gente.
__
Além desses havia a abordagem proveniente da Escola dos Annales, de França,
interessada em pesquisar aspectos desprezados do cotidiano ou mesmo algumas
características surpreendentes dos grandes movimentos da história, para deles
extrair observações riquíssimas para a nossa compreensão da história, embora
Annales seja um desastre quando busca usar o seu método para encontrar um
sentido geral nos grandes movimentos da história. Dois marcos desse fracasso
são Historia Geral da Civilização
Brasileira, organizada por Sérgio Buarque, e Roma e o seu destino, de Raymond Bloch e Jean Cousin, duas obras
fantasticamente eruditas, lotadas de fatos, mas absolutamente incapazes de nos
revelar qualquer sentido para a história que nos relatam. Annales é a história
em farelo.
__
Seja como for, fruto que também sou do meu tempo, acabei incorporando essa nova
história, ainda mais porque não havia opção, pelo menos no meu curso, embora
nunca tenha abandonado o sentido crítico na minha aprendizagem e a minha
insistente mania de perguntar sobre o que todos achavam ser óbvio. A leitura
desgraçadamente tardia de Casa grande e
senzala, de Gilberto Freyre, deu-me um grande alento, mas não foi
suficiente para abalar seriamente a minha adesão fundamental aos ditames da
historiografia marxista e suas conclusões para o sentido de nossa sociedade,
embora transformasse em mim todo élan pela história de meu país em um enorme
tédio, o mesmo tédio que vejo nos meus alunos quando têm que estudar em livros
didáticos que oscilam entre a descrição enfadonha de estruturas sociais e o
panfletarismo na descrição de conflitos sociais.
__
A esse respeito eu gostaria de dizer o seguinte: a ligação afetiva (alguém se
lembra disso?) entre o estudante adolescente e um homem comum, que lê história
por diletantismo, e que, por exemplo, adora os livros de Eduardo Bueno, não é a
mesma de um acadêmico, logo os temas, a abordagem e a apresentação da história
para esse público deve ser necessariamente diferente. As filigranas e as
conclusões ideológicas carentes de provas, axiomas normativos, que empolgam a acadêmicos
e militantes de partidos dessa ou daquela coloração, nada dizem a um jovem cuja
primeira preocupação é sobre como se dará o seu engajamento na sociedade, vista
de um ponto de um ângulo ainda muito pessoal, que se for atropelado por um
esquema tipo “lavagem cerebral”, “essa é o sentido único da história”, como ás
vezes acontece com professores neófitos e manuais tipo “catecismo” em sala de
aula, pode, num momento, repetir, por psitacismo, todas aquelas palavras de
ordem, e noutro esquecê-las miseravelmente, ou ainda pode se tornar em um fanático
acrítico; e aí ninguém ganha. Os acadêmicos precisam aprender a fazer história
para os estudantes e para o povo em geral, pois jornalistas, médicos,
políticos, etc. já a fazem há muito tempo e com muito sucesso
__
Como disse acima, na raiz da nossa formação histórica estava, onipresente, a
realidade do latifúndio, a plantation, que todos aceitavam como um dado prévio,
sequer se abrindo para pensar e debater a respeito, ficando por decidir apenas se
aquele instituto se enquadrava melhor no modo de produção feudal ou se no
capitalista – assisti a uma conferência onde Edgard Carone, no Recife, onde ele
defendeu a presença de feudalismo no Brasil, inclusive no Brasil Republicano, alegando
o acordo entre o governador da Bahia e coronéis do sertão, na década de 1920,
mediado pelo Ministro da Guerra de então, o General Setembrino de Carvalho.
__
Mas não se pense que toda essa discussão sobre o latifúndio tinha algo a ver
com a busca de uma compreensão sobre os movimentos de nossa sociedade ou a
construção de significados sociais a partir da história, mas antes era uma
questão básica vinculada a interesse alienígena: se o latifúndio, em especial o
açucareiro, era um instituto capitalista então estava na hora, senão já era passada
a hora, de fazer uma revolução socialista no Brasil, sem qualquer concessão à
burguesia, e, caso contrário, se era um instituto feudal, ainda havia por fazer
uma revolução burguesa e competia então lutar pela formação de frentes contra o
regime militar, inclusive com setores moderados da burguesia. Edgard Carone era
achegado ao PCB, e isso já diz muita coisa para quem conhece o jogo de alianças
políticas daquele momento! A história do Brasil estava sendo desconstruída de
dentro para fora, para atender ao jogo de poder de grupos específicos, mantida
como sempre fora: uma mera ideologia de poder, a serviço agora de forças
opostas àquelas que antes a dominavam, tão opostas no discurso quanto
semelhante na prática. Não admira que hoje a história seja uma das disciplinas
mais detestadas na escola...
__
Bem, os latifúndios, como sabemos, eram tão grandes quanto poucos, certamente
ocupando áreas imensas, enxotando possíveis colonos para áreas mais distantes. Refletindo
no mesmo diapasão somos obrigados, no entanto, a considerar que a população
brasileira, já no período colonial, era enorme e supostamente concentrada na planície
litorânea do Atlântico, como dizia Frei Vicente do Salvador. Sabíamos também
que a população das cidades era irrisória, uma meia dúzia delas talvez
possuísse em torno de dez mil habitantes – a falta de dados estatísticos é uma
marca na nossa história – onde moravam os milhares de homens livres que não
eram donos de engenhos? Do que viviam, se a posse da terra e a produção de
alimentos estavam voltadas para o plantio de culturas exportáveis, sem falar
que os senhores preferiam o trabalho de escravos a pagar salários a
trabalhadores livres?
__
Os portugueses, diziam os antigos clássicos, vinham aqui para enriquecer e
depois voltar para Portugal. Então, como explicar o crescimento vertiginoso de
nossa população, até tornarmo-nos um dos países mais populosos do mundo, se,
como sabemos, o número de imigrantes que vieram para cá, no século XIX, chegou
tardiamente e não vieram em número tão expressivo a ponto de causar uma
explosão populacional?
__
As colônias existiam apenas para serem exploradas pela metrópole, numa forma de
economia suplementar, em virtude disso eu cheguei a imaginar que a compra de
nossa independência (o célebre empréstimo de dois milhões de libras esterlinas,
pedido à Inglaterra em 1825) fora de alguma forma necessária para evitar uma
guerra aberta com Portugal que o interesse inglês ajudou a evitar, afinal há
séculos vínhamos enriquecendo Portugal em nosso prejuízo, de acordo com a
historiografia marxista. Ora, anos depois de terminado o meu curso de história,
ao ler um livro sobre História de Portugal, de Oliveira Martins, aprendi que o
seu país não tinha a menor condição de mover uma guerra contra o Brasil, que em
poderio lhe ultrapassava de muito! Como, se durante três séculos fôramos o cofre
do tesouro à disposição dos saques da metrópole? Methuen explica tudo! Diziam
os mestres, sugerindo que a riqueza colhida do Brasil fora alienada para a
Inglaterra, ajudando a financiar a Revolução Industrial, etc. Mas as condições
do Tratado de Methuen, em 1703, eram muito menos severas que a do Pacto
Colonial, logo Portugal era plenamente recompensado pelas perdas de Methuen!
__
Se é verdade, como dizia o frei Vicente de Salvador, que os portugueses viviam
a aranhar as areias das praias, como se fossem caranguejos, ignorando os
sertões, tese que é corroborada por aquela do amplo predomínio do latifúndio, geralmente
situado perto da costa, sem falar de todas as iniciativas do estado português
para estimular essa área de exploração tão promissora, como explicar uma
presença tão numerosa de colonizadores de fala portuguesa, nos sertões da
América do Sul, que hoje é o Centro-oeste do Brasil? Como, essa gente vivia?
Como explicar o progresso tão pujante dessa região?
__
Os bandeirantes paulistas passaram a ser apresentados como bandos de criminosos
genocidas brancos, que, movidos pela ganância, adentraram pelo sertão a
destruir tudo que não fosse branco e português. Gente bárbara, na pior
expressão do termo, que a história fez bem por extinguir, e talvez fossem até
judeus, como sugerem alguns – num debate, aqui em São Paulo, quando levantei a
possibilidade de os bandeirantes terem algumas qualidades positivas, como a
iniciativa e a perseverança, que poderiam ser úteis para uma ligação entre os
escolares e esses personagens tão antigos, para tirar a história do Brasil do
limbo intelectual em que se encontrava, uma aluna de história, uma aluna de
história se levantou com argumentos do tipo “como se pode citar uma gente que
cometeu tantos crimes contra os índios?”
__
Ora, quem quer que tenha um mínimo de informação sobre os moradores da aldeia
de São Paulo de Piratininga sabe que o número de gente branca vivendo lá era irrisório,
e que a mesma cidade, juntando toda a população livre, branca ou não, não
chegara a possuir mais de 2.000 habitantes nesse período, sem falar das baixas
que sofria entre muitos que perdiam a vida nessas expedições perigosas. Ora,
analisando o registro das expedições, vemos que na grande maioria destas a
quantidade de gente branca envolvida mal chegava a 10% do total. Como uma
minoria tão inexpressiva conseguia fazer com que tão grande maioria se
submetesse, sem mais, a um jugo tão cruel? Falam-se do poderio das armas de
fogo; mas quem quer que conheça as armas de fogo nesse período sabe que elas
ofereciam muito mais risco a quem as utilizava, do que contra quem eram
utilizadas. Só um milagre faria a mecha de o seu pavio ficar acessa, para não
falar da operação de acendê-la, dentro de uma floresta tropical úmida. Não
precisava nem chover para que ela ou sua pólvora ficasse inoperante. Na verdade
a armas usadas pelos bandeirantes eram semelhantes às dos índios, então onde
estava a vantagem que explica o resto? Como podem expedições tão minúsculas
destruírem aldeamentos que contavam com mais de uma centena de milhar de
índios?
__
Será que a atual pujança econômica de São Paulo, em especial na indústria,
deve-se apenas aos imigrantes europeus aqui chegados ao final do século XIX? Li que Boris Fausto tem avançado recentemente
nessa direção. Mas estes não passavam de pobres coitados, não raro
discriminados aqui dentro, como contam abundantemente a crônica policial e de
costumes da época, pois quem tinha recursos e cultura ficava na Europa, não
imigraria para o Brasil em navios lotados. Como podem eles ter se criado, em
tão pouco tempo, tantas indústrias e uma cultura burguesa cosmopolita tão forte
como a de São Paulo? Como explicar os nomes portugueses já presentes em
famílias paulistas riquíssimas, nesse período, cuja fortuna não estava ligada
necessariamente ou majoritariamente à cafeicultura?
http://www.gazetadopovo.com.br/ra/mega/Pub/GP/p4/2015/06/24/CadernoG/Imagens/Vivo/caldeira.jpg
http://www.gazetadopovo.com.br
Jorge Caldeira
__
Agora, que me aproximo do crepúsculo de minha vida e de minha carreira como
professor, descubro por acaso, em um sebo do Rio de Janeiro uma edição de 2009
do livro História do Brasil com empreendedores, de Jorge Caldeira, que
praticamente me respondeu a todas essas indagações, e, de quebra, ajudou-me
muito a entender as limitações de tudo o que eu havia aprendido sobre história de
meu país, embora não deixa de chamar a atenção o relativamente pouco apreço que
a Academia mostra por esse autor tão revolucionário e suas obras. Espero nos
próximos artigos contribuir um pouco para a compreensão dessa obra que para mim
é fundamental, e repartir com os meus leitores a leitura e a crítica a uma
História do Brasil que, afinal, faz algum sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário