UMA
ESCURIDÃO NO FIM DO TÚNEL
Eduardo
Simões
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https://www.newscientist.com/
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“Eu que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia
de dentes, esperando a morte chegar”, assim canta Raul Seixas no seu imortal
“Ouro de tolo”, fazendo uma ácida crítica do conformismo e da apatia da classe
média brasileira dos anos 70, diante dos sinais graves de desrespeito aos
direitos humanos, da censura, da fragilidade de propalado “Milagre Brasileiro”,
da burrificação e brutalização de nossa sociedade.
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Hoje, quando começávamos a antever uma luz no fim do túnel com os progressos
alcançados pela atual equipe econômica, e a classe média, enfastiada das ruas,
e principalmente dos nobres ideias de limpeza ética e justiça, que levaram multidões
a pedir o fim de um governo corrupto, já conformados com a corrupção, agora
descarada, de toda a classe política, muitos, como que dando continuidade à
mentalidade vigente durante o regime militar, escancaram os seus dentes para o
lixo vindo não mais da TV, mas das redes sociais, como pudemos perceber nas
hostilidades sofridas por jornalistas da Rede Globo e da TV Brasil esta semana.
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Os dois episódios parecem guardar relação com a declaração infeliz de William
Waack, cujos desdobramentos parecem indicar algo muito mais grave do que
imaginam aqueles que reduzem a crise nacional apenas aos cifrões que
caprichosamente mudam de bolso, a cada crise política que se segue ao aparecimento
de uma verdade sobre os nossos políticos ou sobre a nossa burguesia
clientelista. Um comentário irônico a uma fala claramente exagerada e vitimista
(veja-se abaixo) de uma das mais badaladas atrizes da TV, Taís Araújo – uma
atriz fraca, falta-lhe o carisma e a intensidade espontânea de Camila Pitanga,
Zezé Mota, Luiza Maranhão, por exemplo – supondo que as pessoas, no futuro,
mudarão de calçada para não falar com o seu filho. Assim, caro leitor, você já
sabe: pelo bem das relações interraciais no Brasil, quando estiver na mesma
calçada que o filho de Taís Araújo, não saia dela, seja porque razão for, ou
você poderá ser acusado de racismo e até ser processado por um certo FNDC
(Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), uma excrescência de
governos passados, criado para impor uma censura aos meios de comunicação que
não fecharem com a “esquerda” e com o que se convencionou ser politicamente
correto, e que no momento intenta processar um diretores da TV Brasil, por não
concordar com o comentário de Taís, acusando-o de racismo.
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Arma-se, portanto, o palco de uma grande intervenção pública, “popular” no
Brasil, contra qualquer pessoa cuja manifestação seja considerada, hoje,
racista, mas só Deus sabe o que servirá de pretexto, amanhã, para atirar massas
ignaras, movidas pelas redes sociais, contra pessoas, empresas ou instituições
que sejam obstáculos a determinados projetos, porque nós sabemos, e a história
nos informa isso a sobejo, que por trás desses movimentos “populares”,
supostamente “espontâneos”, existem direções muito bem articuladas e nada
espontâneas, tirando partido do imediatismo de reações apaixonadas, e é isso
que as torna tão perigosas.
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Assim foi na Revolução Francesa, que foi, apesar de seu caráter burguês, embora
não-liberal, um banho de sangue desnecessário, que arrastou a Europa para 16
anos de guerras, tão sangrentas quanto evitáveis; assim foi na Revolução Russa,
outro banho de sangue, que redundou numa das mais sanguinárias ditaduras, e na derrocada política e econômica de um império colossal e milenar
– os brasileiros, não sei porque razão, adoram essas revoluções. O povo também
estava nas ruas, hurrando, fanatizado, quando das ditaduras de Mussolini e
Hitler. Etc. etc. etc.
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Recentemente nós vivemos uma ditadura militar, e por causa de medidas tomadas
publicamente por sua elite, vimos intelectuais respeitados, principalmente na
área da educação, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Lauro de Oliveira Lima,
Anísio Teixeira, etc. serem expulsos, obrigados a fugir, aposentados
compulsoriamente, isolados, perseguidos e mortos. Hoje, porém, não é um
comando, uma troica, claramente identificada, quem determina o destino desse ou
daquele que, por alguma razão, explícita ou não, mexe nos interesses daqueles
que por baixo dos panos controlam os marionetes das redes sociais, mas antes homens
e mulheres comuns que, transtornados por uma enxurrada de notícias falsas,
crimes inexistentes, conclamações pouco refletidas, feitas no calor da hora, e
outras sandices, que se atirarão contra quem for marcado como politicamente incorreto
ou indigno de compartilhar o admirável mundo novo que se alevanta no Brasil. Dessa
maneira fica muito mais difícil conter os abusos como punir, posteriormente, os
responsáveis, os mandantes desses crimes. Como diz aquele outro: “Não há provas
que o tríplex é meu”.
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Creio que às classes médias brasileiras só lhes resta ingressar em um dos
inúmeros movimentos políticos que começam a manifestar-se pelo Brasil, para
ganhar e ocupar as ruas, garantindo que nelas só vai vingar o que estiver na
lei, lei esta feita sob a tutela da sociedade, antes que lhe invadam os
apartamentos e lhes arranquem todos os dentes, sem ninguém sequer saber o
porquê.
Eis
as profecias de Taís Araújo: “Mas meu
filho é um menino negro e liberdade não é um direito que ele vai poder
usufruir. Se ele andar pelas ruas, descalço, sem camisa, sujo, saindo da aula
de futebol, ele corre o risco de ser apontado como um infrator, mesmo aos 6
anos de idade... Quando ele se tornar adolescente, ele não vai ter a
liberdade de ir para sua escola, pegar uma condução, um ônibus, com sua
mochila, com seu boné, seu capuz, com seu andar adolescente, sem correr o risco
de levar uma investida violenta da polícia. Ao ser confundido com um bandido.
No Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de
calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros. A vida dele só não vai ser
mais difícil que a da minha filha”. A África do Sul, do Apartheid,
mudou-se para cá. Julgue o leitor...