A
DAMA DO IRAJÁ (1)
Eduardo
Simões
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Nunca escondi a admiração que sentia pela doutora Janaína Paschoal, em todo o
processo que levou ao “semi-impedimento” de Dilma Rousseff, uma jabuticaba
brasileira. Sua coragem e a sua determinação eram louváveis, embora, por vezes,
eu achasse que ela se excedia na exposição de seus motivos; prefiro uma
abordagem mais técnica, mais serena, mas isso pode ser atribuído a uma
característica de temperamento, que em nada desabona um caráter.
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A coisa, porém, mudou, quando ela teve o desplante ou... não sei o que dizer,
de escrever uma mensagem de apoio às iniciativas de um personagem claramente
falto de juízo ou aloprado o suficiente, para numa sessão de uma loja maçônica,
defender a possibilidade de o exército vir a tomar a iniciativa de um novo
golpe a pretexto de defender a Constituição: o General Antonio Hamilton Martins
Mourão. Não é difícil falar em repúdio dessa aberração, assim como não é
difícil entender a posição indefensável do Ministro da Defesa, gravemente
desmoralizado nesse episódio – aliás, ele já se autodesmoralizou bastante, quando
recusou-se a seguir o seu partido e abandonar ao corrupto Governo Temer.
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Para aqueles que têm memória curta ou não conhecem a história de seu país, é
bom saber que os militares, em 1964, deram um golpe no presidente eleito
justamente com esse pretexto: “salvar a democracia brasileira (prevista na
Constituição) do avanço do comunismo totalitário, e o país do caos econômico”,
e o resultado foram vinte anos, com muito menos democracia do que havia antes
de 64 e um descalabro econômico como nunca antes na historia do Brasil,
inclusive no episódio do famoso encilhamento: a dívida externa subiu de US$4
bilhões para US$102 bilhões; em 1983 o país estava insolvente e o FMI começou a
mandar seus fiscais para monitorar o país; a inflação de 1963, a última do
Governo Goulart, foi de 79,9%, mas a inflação do último ano do governo
Figueiredo foi de 211%. Depois de tudo isso será que ainda há quem queira repetir
essa história? Já não nos basta de tragédias?
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Quem garante que essa desordem, essa desmoralização política, não é fruto
justamente da longa permanência dos militares no poder, e o Estado artificial
que criaram, e que impediu a renovação natural das forças políticas do país, de
sorte que, quando houve a redemocratização, foram os velhos caciques, pré-64,
já completamente desatualizados, com um discurso surrado dos anos 60, que
dominaram a cena política? A destruição da família brasileira não foi também o
preço que pagamos pelos militares terem proibido o debate político interno,
principalmente quando explodiam os grandes escândalos, e els mandaram entupir
os jovens de pornografia de baixa qualidade, nas pornochanchadas da EMBRAFILME,
que lotavam a cabeça da juventude de sordidezes de toda espécie, que ajudaram a
destruir os valores familiares e o respeito pelas mulheres, que tanto os
militares de 64, quanto os de hoje, alegam querer proteger como justificativa
para o golpe?
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Quem tem que defender a Constituição é o cidadão consciente, não se deixando
arrastar por esse canto de sereia tão rouco, démodé e indigno de confiança,
sequer de atenção, que insiste em nos fazer crer menores, incapazes, e por isso
precisados de um ou vários “salvadores da pátria”, que sempre deixam a pátria
pior do que encontraram, embora eles mesmo obtenham para si muitas vantagens.
Igualmente responsáveis por essa democracia, de uma maneira muito especial, são
aqueles cuja vocação, acreditamos, os arrastou para as lides do direito, para o
território do Poder Judiciário, o último e mais insigne guardião da Constituição
e da democracia, absurdamente tripudiado pela declaração infeliz de Janaína
Paschoal e a loucura do General.
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Mas, tudo bem! Se não podemos, nós os liberais, amantes da democracia e de uma
ordem jurídica baseada na força do direito, e não da força bruta, militarizada,
de quem não a tem, mas antes a usurpa do povo para, mais cedo ou mais tarde,
apesar do discurso enganador, o canto da sereia, jogá-la contra o próprio povo,
embora sem poder mais contar com a presença combativa de Janaína Paschoal, nem
por isso devemos deixar de lutar com todas as nossas forças contra qualquer
tentativa de esbulho do sagrado direito de qualquer cidadão de optar pelo
político e pela ideologia que lhe parecer melhor, ainda que seja um erro, pelo
qual todos devem pagar para podermos amadurecer, enquanto nação, e não ficarmos
a pedir ajuda ou solução dos militares, que não estão preparados para isso, já
o provaram sobejamente, como se fôssemos crianças, que toda vez que fazem uma “arte”
acorrem para se esconder debaixo da saia ou as calças verde-oliva da “mamãe” ou
do “papai”...
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Estamos novamente, como em 64, num período de transição, de afirmação do regime
democrático, uma plantinha tenra, recém-plantada no jardim de nossa evolução
política visceralmente autoritária, capaz de gerar pérolas como a daquele
general-presidente: “Juro que hei de fazer desse país uma democracia; e quem
disser o contrário eu prendo e arrebento”, e é normal que ocorram esses
percalços, precisamos ter paciência e agir com firmeza sempre que quiserem,
seja quem for, atropelar a marcha das instituições legais, que já avançaram
como nunca na nossa história no combate à corrupção, sob pena de termos que
abdicar de vez da esperança de um dia formarmos uma nação digna de respeito...
(1)
Para as gerações atuais, houve na época da ditadura uma peça teatral
humorística chamada “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”, que conta a
história de um travesti sonhador, que viva com a cabeça na Broadway, tanto é
que escolheu o nome de uma das maiores atrizes do cinema para ser seu “nome de
guerra”, sonhado com altos espetáculos e muito sucesso, desligada da realidade,
até que um dia deu por si, estava madura e decadente, protagonizando espetáculos
mambembes, num dos subúrbios mais pobres do Rio de Janeiro. É onde a maioria
pessoas, em geral, sepulta seus mais belos sonhos de adolescência... O termo “Irajá”,
tirante o bairro de verdade, que tem gente muito boa, acabou com o significado
de “fracasso repentino, virada surpreendente, de alguém de quem se espera muito”...
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