domingo, 24 de setembro de 2017

A DAMA DO IRAJÁ (1)

Eduardo Simões

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__ Nunca escondi a admiração que sentia pela doutora Janaína Paschoal, em todo o processo que levou ao “semi-impedimento” de Dilma Rousseff, uma jabuticaba brasileira. Sua coragem e a sua determinação eram louváveis, embora, por vezes, eu achasse que ela se excedia na exposição de seus motivos; prefiro uma abordagem mais técnica, mais serena, mas isso pode ser atribuído a uma característica de temperamento, que em nada desabona um caráter.
__ A coisa, porém, mudou, quando ela teve o desplante ou... não sei o que dizer, de escrever uma mensagem de apoio às iniciativas de um personagem claramente falto de juízo ou aloprado o suficiente, para numa sessão de uma loja maçônica, defender a possibilidade de o exército vir a tomar a iniciativa de um novo golpe a pretexto de defender a Constituição: o General Antonio Hamilton Martins Mourão. Não é difícil falar em repúdio dessa aberração, assim como não é difícil entender a posição indefensável do Ministro da Defesa, gravemente desmoralizado nesse episódio – aliás, ele já se autodesmoralizou bastante, quando recusou-se a seguir o seu partido e abandonar ao corrupto Governo Temer.
__ Para aqueles que têm memória curta ou não conhecem a história de seu país, é bom saber que os militares, em 1964, deram um golpe no presidente eleito justamente com esse pretexto: “salvar a democracia brasileira (prevista na Constituição) do avanço do comunismo totalitário, e o país do caos econômico”, e o resultado foram vinte anos, com muito menos democracia do que havia antes de 64 e um descalabro econômico como nunca antes na historia do Brasil, inclusive no episódio do famoso encilhamento: a dívida externa subiu de US$4 bilhões para US$102 bilhões; em 1983 o país estava insolvente e o FMI começou a mandar seus fiscais para monitorar o país; a inflação de 1963, a última do Governo Goulart, foi de 79,9%, mas a inflação do último ano do governo Figueiredo foi de 211%. Depois de tudo isso será que ainda há quem queira repetir essa história? Já não nos basta de tragédias?
__ Quem garante que essa desordem, essa desmoralização política, não é fruto justamente da longa permanência dos militares no poder, e o Estado artificial que criaram, e que impediu a renovação natural das forças políticas do país, de sorte que, quando houve a redemocratização, foram os velhos caciques, pré-64, já completamente desatualizados, com um discurso surrado dos anos 60, que dominaram a cena política? A destruição da família brasileira não foi também o preço que pagamos pelos militares terem proibido o debate político interno, principalmente quando explodiam os grandes escândalos, e els mandaram entupir os jovens de pornografia de baixa qualidade, nas pornochanchadas da EMBRAFILME, que lotavam a cabeça da juventude de sordidezes de toda espécie, que ajudaram a destruir os valores familiares e o respeito pelas mulheres, que tanto os militares de 64, quanto os de hoje, alegam querer proteger como justificativa para o golpe?  
__ Quem tem que defender a Constituição é o cidadão consciente, não se deixando arrastar por esse canto de sereia tão rouco, démodé e indigno de confiança, sequer de atenção, que insiste em nos fazer crer menores, incapazes, e por isso precisados de um ou vários “salvadores da pátria”, que sempre deixam a pátria pior do que encontraram, embora eles mesmo obtenham para si muitas vantagens. Igualmente responsáveis por essa democracia, de uma maneira muito especial, são aqueles cuja vocação, acreditamos, os arrastou para as lides do direito, para o território do Poder Judiciário, o último e mais insigne guardião da Constituição e da democracia, absurdamente tripudiado pela declaração infeliz de Janaína Paschoal e a loucura do General.
__ Mas, tudo bem! Se não podemos, nós os liberais, amantes da democracia e de uma ordem jurídica baseada na força do direito, e não da força bruta, militarizada, de quem não a tem, mas antes a usurpa do povo para, mais cedo ou mais tarde, apesar do discurso enganador, o canto da sereia, jogá-la contra o próprio povo, embora sem poder mais contar com a presença combativa de Janaína Paschoal, nem por isso devemos deixar de lutar com todas as nossas forças contra qualquer tentativa de esbulho do sagrado direito de qualquer cidadão de optar pelo político e pela ideologia que lhe parecer melhor, ainda que seja um erro, pelo qual todos devem pagar para podermos amadurecer, enquanto nação, e não ficarmos a pedir ajuda ou solução dos militares, que não estão preparados para isso, já o provaram sobejamente, como se fôssemos crianças, que toda vez que fazem uma “arte” acorrem para se esconder debaixo da saia ou as calças verde-oliva da “mamãe” ou do “papai”...
__ Estamos novamente, como em 64, num período de transição, de afirmação do regime democrático, uma plantinha tenra, recém-plantada no jardim de nossa evolução política visceralmente autoritária, capaz de gerar pérolas como a daquele general-presidente: “Juro que hei de fazer desse país uma democracia; e quem disser o contrário eu prendo e arrebento”, e é normal que ocorram esses percalços, precisamos ter paciência e agir com firmeza sempre que quiserem, seja quem for, atropelar a marcha das instituições legais, que já avançaram como nunca na nossa história no combate à corrupção, sob pena de termos que abdicar de vez da esperança de um dia formarmos uma nação digna de respeito...

(1) Para as gerações atuais, houve na época da ditadura uma peça teatral humorística chamada “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”, que conta a história de um travesti sonhador, que viva com a cabeça na Broadway, tanto é que escolheu o nome de uma das maiores atrizes do cinema para ser seu “nome de guerra”, sonhado com altos espetáculos e muito sucesso, desligada da realidade, até que um dia deu por si, estava madura e decadente, protagonizando espetáculos mambembes, num dos subúrbios mais pobres do Rio de Janeiro. É onde a maioria pessoas, em geral, sepulta seus mais belos sonhos de adolescência... O termo “Irajá”, tirante o bairro de verdade, que tem gente muito boa, acabou com o significado de “fracasso repentino, virada surpreendente, de alguém de quem se espera muito”...


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