domingo, 26 de novembro de 2017

UMA ESCURIDÃO NO FIM DO TÚNEL

Eduardo Simões

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__ “Eu que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”, assim canta Raul Seixas no seu imortal “Ouro de tolo”, fazendo uma ácida crítica do conformismo e da apatia da classe média brasileira dos anos 70, diante dos sinais graves de desrespeito aos direitos humanos, da censura, da fragilidade de propalado “Milagre Brasileiro”, da burrificação e brutalização de nossa sociedade.
__ Hoje, quando começávamos a antever uma luz no fim do túnel com os progressos alcançados pela atual equipe econômica, e a classe média, enfastiada das ruas, e principalmente dos nobres ideias de limpeza ética e justiça, que levaram multidões a pedir o fim de um governo corrupto, já conformados com a corrupção, agora descarada, de toda a classe política, muitos, como que dando continuidade à mentalidade vigente durante o regime militar, escancaram os seus dentes para o lixo vindo não mais da TV, mas das redes sociais, como pudemos perceber nas hostilidades sofridas por jornalistas da Rede Globo e da TV Brasil esta semana.
__ Os dois episódios parecem guardar relação com a declaração infeliz de William Waack, cujos desdobramentos parecem indicar algo muito mais grave do que imaginam aqueles que reduzem a crise nacional apenas aos cifrões que caprichosamente mudam de bolso, a cada crise política que se segue ao aparecimento de uma verdade sobre os nossos políticos ou sobre a nossa burguesia clientelista. Um comentário irônico a uma fala claramente exagerada e vitimista (veja-se abaixo) de uma das mais badaladas atrizes da TV, Taís Araújo – uma atriz fraca, falta-lhe o carisma e a intensidade espontânea de Camila Pitanga, Zezé Mota, Luiza Maranhão, por exemplo – supondo que as pessoas, no futuro, mudarão de calçada para não falar com o seu filho. Assim, caro leitor, você já sabe: pelo bem das relações interraciais no Brasil, quando estiver na mesma calçada que o filho de Taís Araújo, não saia dela, seja porque razão for, ou você poderá ser acusado de racismo e até ser processado por um certo FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), uma excrescência de governos passados, criado para impor uma censura aos meios de comunicação que não fecharem com a “esquerda” e com o que se convencionou ser politicamente correto, e que no momento intenta processar um diretores da TV Brasil, por não concordar com o comentário de Taís, acusando-o de racismo.
__ Arma-se, portanto, o palco de uma grande intervenção pública, “popular” no Brasil, contra qualquer pessoa cuja manifestação seja considerada, hoje, racista, mas só Deus sabe o que servirá de pretexto, amanhã, para atirar massas ignaras, movidas pelas redes sociais, contra pessoas, empresas ou instituições que sejam obstáculos a determinados projetos, porque nós sabemos, e a história nos informa isso a sobejo, que por trás desses movimentos “populares”, supostamente “espontâneos”, existem direções muito bem articuladas e nada espontâneas, tirando partido do imediatismo de reações apaixonadas, e é isso que as torna tão perigosas.
__ Assim foi na Revolução Francesa, que foi, apesar de seu caráter burguês, embora não-liberal, um banho de sangue desnecessário, que arrastou a Europa para 16 anos de guerras, tão sangrentas quanto evitáveis; assim foi na Revolução Russa, outro banho de sangue, que redundou numa das mais sanguinárias ditaduras, e na derrocada política e econômica de um império colossal e milenar – os brasileiros, não sei porque razão, adoram essas revoluções. O povo também estava nas ruas, hurrando, fanatizado, quando das ditaduras de Mussolini e Hitler. Etc. etc. etc.
__ Recentemente nós vivemos uma ditadura militar, e por causa de medidas tomadas publicamente por sua elite, vimos intelectuais respeitados, principalmente na área da educação, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Lauro de Oliveira Lima, Anísio Teixeira, etc. serem expulsos, obrigados a fugir, aposentados compulsoriamente, isolados, perseguidos e mortos. Hoje, porém, não é um comando, uma troica, claramente identificada, quem determina o destino desse ou daquele que, por alguma razão, explícita ou não, mexe nos interesses daqueles que por baixo dos panos controlam os marionetes das redes sociais, mas antes homens e mulheres comuns que, transtornados por uma enxurrada de notícias falsas, crimes inexistentes, conclamações pouco refletidas, feitas no calor da hora, e outras sandices, que se atirarão contra quem for marcado como politicamente incorreto ou indigno de compartilhar o admirável mundo novo que se alevanta no Brasil. Dessa maneira fica muito mais difícil conter os abusos como punir, posteriormente, os responsáveis, os mandantes desses crimes. Como diz aquele outro: “Não há provas que o tríplex é meu”.
__ Creio que às classes médias brasileiras só lhes resta ingressar em um dos inúmeros movimentos políticos que começam a manifestar-se pelo Brasil, para ganhar e ocupar as ruas, garantindo que nelas só vai vingar o que estiver na lei, lei esta feita sob a tutela da sociedade, antes que lhe invadam os apartamentos e lhes arranquem todos os dentes, sem ninguém sequer saber o porquê.        


Eis as profecias de Taís Araújo: “Mas meu filho é um menino negro e liberdade não é um direito que ele vai poder usufruir. Se ele andar pelas ruas, descalço, sem camisa, sujo, saindo da aula de futebol, ele corre o risco de ser apontado como um infrator, mesmo aos 6 anos de idade... Quando ele se tornar adolescente, ele não vai ter a liberdade de ir para sua escola, pegar uma condução, um ônibus, com sua mochila, com seu boné, seu capuz, com seu andar adolescente, sem correr o risco de levar uma investida violenta da polícia. Ao ser confundido com um bandido. No Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros. A vida dele só não vai ser mais difícil que a da minha filha”. A África do Sul, do Apartheid, mudou-se para cá. Julgue o leitor...

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