sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O CORAÇÃO DAS TREVAS

Eduardo Simões

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Esperem só o que está chegando...

__ Uma aluna adolescente, um tanto nervosa e um pouco mais pobre, começa a sofrer um intenso bullying de um grupo de colegas, garotos, de sua turma, após ter caído na asneira de uma ação violenta e impensada.
__ Chega à direção a notícia de que a aluna está sofrendo muito com o “cerco” desses colegas, a ponto de, inclusive, começar a tomar remédios que a ajudem a libertar-se de sua tribulação. Existe algo mais arrasador para uma personalidade infanto-juvenil que a sensação de não ser aceita por seu grupo de amigos, pelos de sua geração? – alguém, por favor, clame isso aos ouvidos de pais, professores e dos burocratas da educação!
__ A direção não hesita, e com cautela manda chamar os responsáveis pela “guerrilha”, os faz tomar consciência da situação da colega e pede-lhes compreensão. Apela para o seu espírito de turma e coleguismo, que, pelo nível da turma – Ensino Médio – já deveria estar bastante estimulado, sem falar dos apelos à discrição. Mas que nada! Ao voltarem para a sala de aula, a primeira coisa que fazem é dizer em alto e bom som, e alguns risos: “a fulana está ficando doida!” O mundo prostra, a escola esfola....
__ É verdade que a vida familiar de muitos jovens adolescentes não é fácil, em virtude da ligeireza com que pais e mães se desfazem de projetos e promessas recíprocas, se é que não tiveram a criança antes mesmo de fazerem qualquer promessa, e sem a menor ideia do que fazer com aquele “presente” inesperado. Mesmo famílias estáveis, muitas delas, demonstram não saber o que fazer com a educação de seus rebentos. A crise da família brasileira anda estreitamente de mãos dadas com a crise do sistema escolar e da educação em geral.
__ Que fazer quando uma adolescente, nessa fase tão sensível, intensa e dramática da vida, descobre que não há o que esperar muito de sua família, ou o que sobrou dela, e começa a se sentir rejeitada por sua última instância de autoestima e respeito, sua última tábua de salvação: o seu grupo de amigos na escola? Porque os jovens não têm encontram aa escola um lenitivo em a um mundo adulto repleto de decepções e desenganos? Por que as escolas brasileiras fracassam tão grosseiramente em serem comunidades infanto-juvenis? A resposta é simples: não foi para isso, para ser uma “comunidade infanto-juvenil”, que os nossos “caros” políticos reformaram o sistema escolar público e privado em São Paulo e no Brasil, e o deformam ainda mais, quase diariamente, com novas e desastradas iniciativas.
__ De olho em exames internacionais, que dão visibilidade carreiam investimentos, inclusive internacionais, no curto prazo, nossa “autoridades” pegaram um atalho e resolveram que a única vocação possível para as crianças brasileiras é se tornarem especialistas em provas e múltipla de escolha, tipo PISA, SARESP, AAP, etc., algo que demanda treinamento repetitivo, mas requer pouco uso das habilidades humanizadoras dos alunos. O seu futuro já está determinado: tornar-se um trabalhador compulsivo, gerar muito retorno para a empresa aonde for trabalhar, mesmo fracassando na sua afetividade e na sua socialização, exceto aquela estritamente necessária para ele/ela não tornar-se insuportável aos seus colegas de trabalho, dando muito lucro às empresas e pouca despesa ao estado. Enfim, um trabalhador acrítico, sem emoção, sem afetividade; uma máquina de trabalhar ou uma versão bimilenarista do escravo do primeiro milênio. Disso nós bem entendemos, não é mesmo?
__ Mas não é assim que um ser humano, muito menos um adolescente, funciona; não dá para revogar a afetividade, os sentimento, valores, desejos, etc., tudo enfim que faz a vida valer a pena, e que só os adultos infantilizados ou especialistas em educação parecem ignorar, e por causa disso minha aluna está sofrendo muito e desnecessariamente, pelas iniciativas daqueles que deveriam ser seus companheiros de caminhada e parceiros de descobertas na aventura da vida. Mas que escola é esta que estamos a propiciar às nossas crianças!
__ A escola está doente, a escola brasileira e paulista atual é um ambiente empesteado de rancores, frustrações e traumas mal resolvidos, um meio que vitimiza nossas crianças e jovens pela sua insensibilidade, pela sua paranoia pelo enxugamento de custos, pelo sentimento de inferioridade reinante, que faz nossas autoridades copiar acriticamente modelos de escolas colhidos alhures. Nossas escolas estão se tornando caricaturas grotescas das escolas americanas que a cada momento revelam o seu fracasso, visível tanto nos resultados do PISA, que essas “autoridades” tanto prezam, quanto no seu ideal de formar um cidadão democrático e consciente. De que adianta ficar numa escola de tempo integral, cercado por tanta tecnologia, para votar num espalhafato como Donald Trump? Acreditar que é o maior e o melhor e ter sua política externa dirigida pelo pequeno Israel ou limitando-se a reagir às provocações da minúscula Coreia do Norte? Os inimigos da América devem estar agora se contorcendo de alegria...
__ A solução, segundo nossas autoridades, já está a caminho: a municipalização, um remendo aposto à educação, ante a indiferença de pais e professores, para escamotear o descalabro em que se tornou o atual pacto federativo, que exige, para o seu correto equacionamento, medidas corajosas, ousadas e, ai de nós, acima de tudo... honestas. Seguimos sonhando. Com a municipalização tudo mudará, e a politicagem, tanto de direita como de esquerda, que vem exilando a pedagogia e a psicologia das escolas, só aprofundarão o drama atual.
__ Uma professora me contou, desconsolada, como um secretário de educação de um município a obrigou a promover um aluno, que, na visão dela, não tinha a menor condição de ser promovido, em virtude da influência política da família, um vício típico de escolas privadas da pior qualidade, só que por motivos diversos, e que promete se disseminar por todo o sistema de ensino público fundamental, de tal sorte que no futuro não serão os pais que invadirão as escolas pedindo explicações, satisfações, orientações de como lidar com seus meninos, e sim vereadores, prefeitos, secretários, líderes comunitários, que nem conhecem a criança referida, mas sequiosos de acrescentar feitos ao seu portfólio, que adentrarão a exigir reparações desmoralizantes aos professores e outros profissionais de educação, se não vierem já acompanhados da imprensa... A possibilidade de o professor sofrer uma grave retaliação, por alguma atitude que desagrade a essa gente será quase ilimitada.

__ O horror! O horror!  

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