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CORAÇÃO DAS TREVAS
Eduardo
Simões
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Esperem só o que está chegando...
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Uma aluna adolescente, um tanto nervosa e um pouco mais pobre, começa a sofrer
um intenso bullying de um grupo de colegas, garotos, de sua turma, após ter
caído na asneira de uma ação violenta e impensada.
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Chega à direção a notícia de que a aluna está sofrendo muito com o “cerco”
desses colegas, a ponto de, inclusive, começar a tomar remédios que a ajudem a libertar-se
de sua tribulação. Existe algo mais arrasador para uma personalidade
infanto-juvenil que a sensação de não ser aceita por seu grupo de amigos, pelos
de sua geração? – alguém, por favor, clame isso aos ouvidos de pais,
professores e dos burocratas da educação!
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A direção não hesita, e com cautela manda chamar os responsáveis pela
“guerrilha”, os faz tomar consciência da situação da colega e pede-lhes
compreensão. Apela para o seu espírito de turma e coleguismo, que, pelo nível
da turma – Ensino Médio – já deveria estar bastante estimulado, sem falar dos
apelos à discrição. Mas que nada! Ao voltarem para a sala de aula, a primeira
coisa que fazem é dizer em alto e bom som, e alguns risos: “a fulana está
ficando doida!” O mundo prostra, a escola esfola....
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É verdade que a vida familiar de muitos jovens adolescentes não é fácil, em
virtude da ligeireza com que pais e mães se desfazem de projetos e promessas
recíprocas, se é que não tiveram a criança antes mesmo de fazerem qualquer
promessa, e sem a menor ideia do que fazer com aquele “presente” inesperado.
Mesmo famílias estáveis, muitas delas, demonstram não saber o que fazer com a
educação de seus rebentos. A crise da família brasileira anda estreitamente de
mãos dadas com a crise do sistema escolar e da educação em geral.
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Que fazer quando uma adolescente, nessa fase tão sensível, intensa e dramática
da vida, descobre que não há o que esperar muito de sua família, ou o que
sobrou dela, e começa a se sentir rejeitada por sua última instância de autoestima
e respeito, sua última tábua de salvação: o seu grupo de amigos na escola? Porque
os jovens não têm encontram aa escola um lenitivo em a um mundo adulto repleto de
decepções e desenganos? Por que as escolas brasileiras fracassam tão
grosseiramente em serem comunidades infanto-juvenis? A resposta é simples: não
foi para isso, para ser uma “comunidade infanto-juvenil”, que os nossos “caros”
políticos reformaram o sistema escolar público e privado em São Paulo e no
Brasil, e o deformam ainda mais, quase diariamente, com novas e desastradas
iniciativas.
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De olho em exames internacionais, que dão visibilidade carreiam investimentos,
inclusive internacionais, no curto prazo, nossa “autoridades” pegaram um atalho
e resolveram que a única vocação possível para as crianças brasileiras é se
tornarem especialistas em provas e múltipla de escolha, tipo PISA, SARESP, AAP,
etc., algo que demanda treinamento repetitivo, mas requer pouco uso das habilidades
humanizadoras dos alunos. O seu futuro já está determinado: tornar-se um
trabalhador compulsivo, gerar muito retorno para a empresa aonde for trabalhar,
mesmo fracassando na sua afetividade e na sua socialização, exceto aquela
estritamente necessária para ele/ela não tornar-se insuportável aos seus
colegas de trabalho, dando muito lucro às empresas e pouca despesa ao estado.
Enfim, um trabalhador acrítico, sem emoção, sem afetividade; uma máquina de
trabalhar ou uma versão bimilenarista do escravo do primeiro milênio. Disso nós
bem entendemos, não é mesmo?
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Mas não é assim que um ser humano, muito menos um adolescente, funciona; não dá
para revogar a afetividade, os sentimento, valores, desejos, etc., tudo enfim
que faz a vida valer a pena, e que só os adultos infantilizados ou
especialistas em educação parecem ignorar, e por causa disso minha aluna está
sofrendo muito e desnecessariamente, pelas iniciativas daqueles que deveriam
ser seus companheiros de caminhada e parceiros de descobertas na aventura da
vida. Mas que escola é esta que estamos a propiciar às nossas crianças!
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A escola está doente, a escola brasileira e paulista atual é um ambiente empesteado
de rancores, frustrações e traumas mal resolvidos, um meio que vitimiza nossas
crianças e jovens pela sua insensibilidade, pela sua paranoia pelo enxugamento
de custos, pelo sentimento de inferioridade reinante, que faz nossas
autoridades copiar acriticamente modelos de escolas colhidos alhures. Nossas
escolas estão se tornando caricaturas grotescas das escolas americanas que a
cada momento revelam o seu fracasso, visível tanto nos resultados do PISA, que
essas “autoridades” tanto prezam, quanto no seu ideal de formar um cidadão
democrático e consciente. De que adianta ficar numa escola de tempo integral,
cercado por tanta tecnologia, para votar num espalhafato como Donald Trump? Acreditar
que é o maior e o melhor e ter sua política externa dirigida pelo pequeno
Israel ou limitando-se a reagir às provocações da minúscula Coreia do Norte? Os
inimigos da América devem estar agora se contorcendo de alegria...
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A solução, segundo nossas autoridades, já está a caminho: a municipalização, um
remendo aposto à educação, ante a indiferença de pais e professores, para escamotear
o descalabro em que se tornou o atual pacto federativo, que exige, para o seu
correto equacionamento, medidas corajosas, ousadas e, ai de nós, acima de
tudo... honestas. Seguimos sonhando. Com a municipalização tudo mudará, e a
politicagem, tanto de direita como de esquerda, que vem exilando a pedagogia e
a psicologia das escolas, só aprofundarão o drama atual.
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Uma professora me contou, desconsolada, como um secretário de educação de um
município a obrigou a promover um aluno, que, na visão dela, não tinha a menor
condição de ser promovido, em virtude da influência política da família, um
vício típico de escolas privadas da pior qualidade, só que por motivos diversos,
e que promete se disseminar por todo o sistema de ensino público fundamental,
de tal sorte que no futuro não serão os pais que invadirão as escolas pedindo
explicações, satisfações, orientações de como lidar com seus meninos, e sim
vereadores, prefeitos, secretários, líderes comunitários, que nem conhecem a
criança referida, mas sequiosos de acrescentar feitos ao seu portfólio, que
adentrarão a exigir reparações desmoralizantes aos professores e outros
profissionais de educação, se não vierem já acompanhados da imprensa... A
possibilidade de o professor sofrer uma grave retaliação, por alguma atitude
que desagrade a essa gente será quase ilimitada.
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O horror! O horror!
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